.:. Futilidades do lar .:.

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– O Breno está com depressão! – É dessa forma que minha esposa me acorda no meu primeiro domingo de férias.

– Que Breno?

– O cachorro do meu irmão, ora! Eita homem esquecido!

– Primeiro que Breno é nome de gente e não de cachorro. – Continua o marido. – Segundo, cachorro deprimido é demais! Crianças tirarem notas baixas e os pais, aflitos, procurarem analista; adolescentes apanharem e entrarem em depressão – isso, quando não denunciam os pais – eu até entendo. Modernidade, pura modernidade, mas o Breno estar deprimido!

– Os cães entendem das coisas. Eles são sensíveis. Liguei para o meu irmão. Falei que a Looty (Looty é nossa cachorrinha – uma “pé-duro” que as mulheres da casa insistem ser de raça!) tinha comido os cachorrinhos... Ele ficou triste. Desligou. Deve ter falado para o Breno e acabou de ligar dando a notícia: o Breno está com depressão pela morte dos filhos! Acredita que o bicho até chorou quando soube da notícia? – Pior que ouvir a narrativa foi perceber que minha esposa se entristecia, incorporando a dor animal. Nada contra os cães, longe de mim. Também adoro a Looty, mas...

– Nossa! Os filhos dele foram comidos pela mãe, que horror! Canibalismo! Aliás, cachorrismo, em pleno Século XXI, e “folgismo” do seu irmão! Ele é muito folgado!

– Nada para você é importante... Ela comeu os filhotes! – Murmura a esposa quase chorando.

– Seu irmão é engraçado demais. Deveria ser comediante. Primeiro, chega aqui e cria chavões: “E o rabinho balançando!”. “Olhe! – A gente chama a Looty e ela vem, com o rabinho balançando!”. Se isso cair na graça de algum pagodeiro, ou forrozeiro, vai virar febre nacional! Já pensou ter que aturar no próximo carnaval todo mundo cantando: “Com o rabinho balançando!”. “Com o rabinho balançando!”.

– E o que você tem contra as músicas atuais? Quando seus irmãos falam do seu tempo e da melissinha lilás que você ganhou da sua mãe, na época da novela Dancin’days, eu não digo nada. – A esposa parecia vingar-se.

– Vai começar! – Incomoda-se o marido.

– Vou! Pensa que não sei que você assistia aos comerciais da Kichute e saía feito doido pulando os muros? E que, num desses pulos, caiu e quebrou a perna... Sua mãe me conta tudo!

– Mas tudo se resolvia com cascudos[1]! Nunca precisei de analista, de psicólogo... E a perna, veja aqui, ó! – está boazinha: consigo andar, correr, nadar e se você perturbar muito, até quebro a mesa nova com um chute, duvida?

– Bichinho! Até tentei evitar que a Looty emprenhasse no primeiro cio... Os filhotinhos eram tão lindos!

– Que lindos! Você nem viu os filhotes! Quando chegamos de viagem a cachorra já os tinha comido...

– Mas eram lindos! Ela é pretinha, a minha Nega, e o Breno é branco. Os bichinhos deveriam ser...

– Marrom! Todos marronzinhos!

– Como você sabe?

– ...

O restante do dia foi tenso. Poucas foram as perguntas; as respostas, monossilábicas. Dormiram. Ao acordar, a esposa se depara com o marido nervoso, dentro do quarto, tentando matar os mosquitos com a camisa do trabalho.

– Pegue o Kichute para matar os bichos, “Calce esta força!”.

– Os Kichutes não existem mais! Que tal você parar de me encher e usar sua tecnologia, hein? Pegue a raquete que mata isso dando choque, rápido!

Nijair Araújo Pinto

Juazeiro do Norte-CE, 14 de fevereiro de 2012.

10h14min.

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[1] Pancada no alto da cabeça, dada com o nó dos dedos.

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Nunca serei visto, inerte, enquanto fora eu estiver do meu caixão. Acredito no relativismo e, mesmo aparentemente estático em se tratando de alguém ou algo como referencial, sei que me movimento em relação aos demais e infindos corpos e almas que gravitam no universo. Que contraditória essa minha assertiva! Se nunca paramos, então nem mesmo a morte nos limita os movimentos... Somos, portanto, o eterno êxtase da nossa própria inquietude dinâmica.

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Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 22/10/2012
Código do texto: T3946844
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