Faces da cidade

Eu vi um rosto na parede.

Mas não era um rosto comum, era o rosto do tempo.

Oculto por baixo da tinta descascada, revelou-se por pura ação do envelhecimento.

Do sol, da chuva, do vento.

Na textura do cimento exposto aos pedaços, da sujeira impregnada, da luz e da sombra, formou-se sua face: a imagem de uma caveira, materializada em seu próprio corpo de concreto, com sua ausência de olhos encarando a todos, porém, ignorada por aqueles que, ainda sobre a terra, estão soterrados de preocupações mundanas.

A sete palmos de distrações.

Um pequeno aviso camuflado, esquecido, evitado, temido, de que o tempo age lentamente e, mesmo invisível, está presente, vivo, constante.

E depois da última gota, emerge invencível sobre todos.

Invencível.

Somos a lebre, o tempo é a tartaruga. Por mais que a cidade corra, cedo ou tarde a ultrapassagem acontece.

Não há passado nem futuro, só a corrida, e sempre o mesmo vencedor.

Apreciemos o movimento, enquanto nos movemos.

Gustavo Carnelós
Enviado por Gustavo Carnelós em 22/10/2012
Código do texto: T3945869
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