Para viver não basta estar vivo
Na minha nova morada, estou cercado de vizinhos por todos os lados. O isolamento do som é mínimo, quase inexistente. Muitas vezes, parece que as pessoas estão conversando dentro do meu cômodo.
Certa tarde, enquanto carregava alguns caixotes da mudança, escutava toda a performace da vizinha debaixo.
A principio notei que se tratava de uma mulher um tanto rude e que de um modo opressor mandou o seu filho ir tomar banho. Foi para o chuveiro quase que na porrada. Um verdadeiro general de guerra
Quando seu esposo chegou, logo foi recebido aos berros. Em seguida sobrou até para o cachorro.
Pouco tempo depois, enquanto empilhava alguns objetos, escuto a vizinha que transtornada atendia ao telefone aos berros.
Em seguida sua voz foi ficando fraca e murchando ela começou a lamentar algo que tinha escutado do outro lado da linha. Mãinha acabou de morrer. “Bateu as botas” tomando banho. Foi o coração.
Aquela mulher que a principio parecia tão rígida e viril, desmanchou-se em lágrimas. A noticia esvaziou toda sua energia e agressividade. Restava apenas um ar lacrimoso naquele local.
Senti um mal estar e comecei lentamente a refletir. Antigamente, no apartamento que morava com os meus pais no bairro nobre da cidade, não mantinha contato com os vizinhos. Era um lugar que o individualismo imperava. Cada apartamento parecia uma gaiola de ferro e o silêncio era o da santa paz de um cemitério. Descansávamos em paz. Quase todos os dias.
Nesse novo ambiente, ainda não estava acostumado com um forte laço comunitário e social
Retornando do meu devaneio, percebi o quanto era terrível o choro de uma mulher adulta que com os seus quarenta e poucos anos acabou de perder sua querida mãe. Repetia: Mãinha morreu, morreu, morreu...
Contraditoriamente diante dessa notícia fúnebre, passei a sentir-me mais vivo e um tanto demasiadamente humano.