Eta Vida Besta! (3)
Êta vida besta! O primeiro menino que empinou a pipa não sabia fazer o cabresto. Daí suas voltas de perigo. A força do redemoinho, os cabos de alta tensão. A vida por um fio. Blecaute de tudo. Cada qual seu próprio Gulag. Risco maior: a eletrização dos arames farpados das asas da consciência. O que se é quando nem pessoa? Se os olhos choraram seus dias, começou assim a poluição de tudo. Só falta o tempo se declarar extinto.
Êta vida besta! Os últimos sobreviventes repovoarão o mundo. Talvez um novo Deus, saído das entranhas, apascente com ervas daninhas o que sobrou do rebanho. Um novo maná num novo deserto. O novo decálogo só incitará ao que de melhor se fez humano: a cobiça. Só se desejará o que for do outro. O lema da nova aliança: invejosos de todo o mundo, uni-vos!
Êta vida besta! A carnificina como distração. Empurrar o dia para alimentar seus mortos. Susto é fração de segundos. Difícil é viver assustado. O medo vestido de noite. Deus a um passo do inferno. Rebelião de anjos em torno de uma vela se apagando. O céu às escuras.
Êta vida besta! O universo revelando seus buracos negros. A Física quântica e suas partículas de bilhões de dólares. A criança órfã que se alimenta todos os dias da sua própria fome. O espetáculo das estrelas não mostra os que dormem sob elas. A vida batendo nas portas para pedir comida. Pelos fundos, um restaurante despeja o seu lixo para o banquete de ratos, baratas e homens. A Ceia reinventada e farta.
Aldo Guerra
Rio das Ostras, RJ