Para não deixar passar em branco o dia do Poeta
 
                                                      
 
 
                              Hoje em dia não se fala mais em tédio, usa-se uma palavra genérica: depressão. A depressão abrangendo várias  intensidades  dessa  emoção, desde uma simples tristeza até uma enorme fossa e aquela vontade de desaparecer, sumir do mapa, caracterizando-se no seu mais alto grau  pela  perda da autoestima.  Uma verdadeira treva...
                               Bertrand  Russel, por volta de 1930,  já teve oportunidade, em um dos seus inúmeros livros, de falar sobre o tédio, termo usado em sua época. Tudo muda! Fala sobre o tédio e o seu contrário, a excitação. Sobre a excitação, desejo bem arraigado nos seres humanos, deu um exemplo da época em que os homens caçavam. Diz ele: A caça é excitante tanto quanto a guerra ou o flerte. Um selvagem fará o impossível para cometer adultério com uma mulher enquanto o marido desta dorme ao lado dela, sabendo que o aguarda a morte certa se o outro acordar.
 Vejo claramente que vivemos oscilando entre o tédio e a excitação.      Procuramos fugir do tédio viajando, indo a festas, participando de jogos, conversando e, mais modernamente, até fazendo poesias, não é verdade? Russel nos faz rir quando lembra, em outros tempos, após o jantar, naquele momento agradável de família, o pai cochilava, a mulher tricotava e as filhas querendo estar mortas ou em algum lugar longe de tudo.
 Ele quer nos ensinar que o tédio também faz parte da vida e afirma que todos os grandes livros possuem partes aborrecidas e que todas as grandes vidas contam com períodos sem nenhum interesse. Ele chega a dizer que um romance que lance chamas da primeira à última página não seria certamente um bom romance. Todos nós sabemos que, felizmente, a paixão dura pouco tempo, pois se tornaria insuportável aquele amor meloso vinte e quatro horas ao dia. Afinal, temos também que trabalhar, tomar banho, almoçar, jantar, etc.,etc.
 Estou penetrando nesta questão do aborrecimento, do fastio, porque vejo que muitos de nós se desesperam com a rotina da vida. Recordo-me de um grande amigo, sempre inconformado com a repetição dos dias. Essa repetição dos dias, para ele, era mortal!  Dizia  o amigo  que tudo  era sempre igual, um dia após o outro e, graças a nossa amizade, cansou de confessar que o seu tédio era tão forte,  que provocava nele a vontade  de suicidar-se, o que nunca fez e está  por aí vivinho da silva. Penso que muita gente fica entediada sem saber. Eu mesmo, na adolescência, cansei de me entediar e dizia, achando graça e até gostando, que estava com angústia existencial, outras vezes, em razão de uma 'nuance' desse sentimento, dizia estar com crise de identidade. Nunca consegui chegar a uma conclusão. Aliás, convenhamos, gente, a existência é ou não é um espanto?
Com a idade ando deixando o meu ego em paz e vou largando esse conflito, mesmo porque já não teria muito tempo para uma decisão firme: angústia existencial ou crise de identidade? Ou  as duas juntas?  Russel nos ensina que esses períodos de calmaria, que tanto teimamos em evitar,  têm que ser compreendidos pelo homem, que terá que aprender a suportar os momentos de tédio. Hoje, com esse alerta do Bertrand, ousaria dizer que o nosso amado poeta Fernando Pessoa, sempre ele(gosto do Pessoa, é possível que me identifique com ele), talvez tenha lutado a vida toda contra essa emoção do tédio, o que rendeu, para nossa felicidade, poesias geniais e uma prosa refinadíssima e muito inteligente.
Como exemplo, transcrevo a seguir um momento de angústia do Pessoa: Há dias em que sobe em mim, como que da terra alheia à cabeça própria, um tédio, uma mágoa, uma angústia de viver que só me não parece insuportável porque de fato a suporto. É um estrangulamento da vida em mim mesmo, um desejo de ser outra pessoa em todos os poros, uma breve notícia do fim. Em outro momento, Pessoa procura explicar o tédio: O tédio é, sim, o aborrecimento do mundo, o mal-estar de estar vivendo, o cansaço de se ter vivido; o tédio é, deveras, a sensação carnal da vacuidade prolixa das coisas. Mas o tédio é mais do que isto, o aborrecimento de outros mundos, quer existam quer não. O mal-estar de ter que viver, ainda que outro, ainda que de outro modo, ainda que noutro mundo; o cansaço, não só de ontem e de hoje, mas de amanhã também, e da eternidade, se a houver, (e) do nada, se é ele que é a eternidade...
Como remédio a esses estados de espírito, Russel sugere que deveríamos desde a infância adquirir a capacidade de suportar uma vida mais ou menos monótona e nos esclarece que somos criatura da terra, nos nutrimos dela, assim como as plantas e os animais. E arremata dizendo que os prazeres da infância deveriam ser aqueles que a criança conseguisse extrair de seu ambiente com um pouco de esforço e criatividade. Mas o que vemos é a fuga do tédio, da monotonia, buscando os prazeres excitantes,  divorciados e desligados da natureza ,que quando chegam ao fim, deixam o homem mais entediado. Interessante registrar que os psicólogos modernos vêm afirmando que o problema das drogas entre os jovens se origina exatamente da incompetência deles em suportar a cota de tédio, de frustração que a vida normal nos impõe. Russel estava certíssimo.
O filósofo vê na poesia uma maneira mais elevada dessa união com a vida da Terra. Essa a receita de Russell e  acredito  nele, já que diariamente aqui no Recanto das Letras o que mais vejo e tomo conhecimento são as pessoas fazendo poesias exatamente para se livrarem do tédio e buscarem civilizadamente uma elevação que lhes fazem muito bem, como, igualmente para nós, seus leitores.  Mas cá pra nós, sem angústia, sem pânico!: - não poderia existir um mundo bem diferente do que este?
                        Não sendo isso possível, exaltemos o poeta, que nos remete para o mundo dos sonhos, nos embriagando com outros mundos, e nos livrando de nossos tédios e tristezas...
 
             Nota:  Republicação da antiga crônica “Tédio”, com algumas alterações. Gdantas (ainda sem tempo pra escrever).