Carnaval regado a suor, alegria e sangue

Trago na memória lembranças maravilhosas da infância na minha cidade natal. Criada em família de classe média, mesmo assim frequentava o melhor clube da cidade. Em um dos carnavais infantis fui convidada para ser a rainha no próximo ano. Apavoramento de meus pais, já que uma bela fantasia custava e custa uma certa quantia em dinheiro. Lembro-me de que, na época, o presidente do Clube convenceu-os de que valeria a pena, porque eu era uma criança alegre e espontânea e, certamente, reinaria com desenvoltura. E foi o que aconteceu.

No ano seguinte eu, vestida com uma fantasia intitulada “chinesa estilizada” (desenhada por um estilista porto-alegrense), adentrei o salão de coração cheio.

A fantasia era por demais estranha: de cetim branco, totalmente bordada com lantejoulas coloridas e “armada” com espuma como forro. Nos ombros um tipo de ombreira pontuda dava um toque oriental. Na cabeça um adorno estilizado com três camadas de recortes arredondados, tendo nas pontas uns guizos que faziam um barulho discreto. Como o adorno também era forrado de espuma e costurado em cima de uma armação de arame, tornou-se pesado demais para o meu corpo franzino. Resultado: somente na entrada “triunfal” foi usado e, logo após, retirado por meu pai, sob pena de encolher o meu pescoço.

A maquiagem foi feita por uma prima querida. Uma espessa camada de base e pó, sombra azul de vários tons e, para deixar os meus olhos mais puxados do que já são, uns dois centímetros de delineador fizeram com que parecessem importados do oriente.

Nos pés uma sapatilha prateada com cordinhas de lamê, que subiam, trançadas, até a altura dos joelhos. Justamente o famoso lamê foi o transformador da folia em sangue. No roçar das pernas ele começou a machucá-las, a ponto de verter sangue pela tarde inteira, mas não o suficiente para acabar com a alegria de um reinado tão encantado.

As fotos já se encontram meio amareladas, mas continuam guardadas no meu baú de memórias, restando somente uma dúvida: um dos meus primos, convidado para ser meu pajem, apareceu vestido de zorro. O que é que o zorro tem a ver com uma chinesa estilizada?

Ah ... não importa!

Hoje, mais do que nunca, sinto que passado é passado, mas que com ele aprendí muito para tornar a minha realidade mais amena. O sangue vez ou outra ainda verte em mim, mas nada mais tem a ver com as cordinhas de lamê. Já consigo extirpá-lo com busca de entendimento e perdão, tentando continuar a folia.

19/10/2012

rosalva-cantinhodopapo.blogspot.com

Rosalva
Enviado por Rosalva em 19/10/2012
Reeditado em 20/10/2012
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