Sopa de cerveja
Cheguei animado no buteco do Joel. Morava em frente, não tinha nem
como deixar de passar lá todos os dias, após o serviço. Cerveja gelada,
salgado variado, sinuca, radiola de ficha, todo tipo de papo e, claro, a
turma. Jacaré, Melão, Nego Doido, Prexeca, Dinho, Marreco, Zico, meu
primo, Zoio, Nando, irmão do Zico e por aí vai. Ah, e a paciência do
Joel e do Fabrício, seu filho. Jacaré, o mais debochado e além de tudo
escultor, pintor, músico. Não tinha ateliê. Suas esculturas e oratórios
eram feitas ali, no bar do Joel, com um canivete bem amolado e cerveja
à vontade. Não repetia um oratório ou escultura. Não aceitava
encomendas. E vendia tudo. Danadinho.
__ Joel... cê devia cobrar mais caro a porção de linguiça. Cê tá tendo
prejuízo... aqui, ela tá com gosto de sardinha. Vou pagar uma e comer
linguiça com sardinha, é mole...
Como eu dizia, cheguei animado. Peguei o meu copo e barranquei.
Zico foi solidário. Coisa de sangue, né. Bebi sem espuma. Pedi uma
de sempre. E jiló pro belisco.
__ Aqui, tô com uma receita capixaba... sopa de cerveja. Bão demais...
Riram. Debocharam. Tudo bem.
__ É verdade, e fica gostoso, bom mesmo...
__ Qualé, Beto... ferver cerveja... tá doido?
__ Quem te deu isso? Isso é coisa de fresco... cê vive socado em
teatro, exposição...
__ A receita tá aqui... eu juro, fica bom pacas.
__ Deixa eu ver, peraí, dá aqui...
__ E aí, Dinho?
__ A única novidade é a cerveja... vai cebola, carne, mostarda,
queijo... tô vendo nada demais.
__ Oh, animal, é como se prepara que dá o tchan da coisa...
__ Cê tomou isso, aonde? __ Perguntou Melão. __ Pelo que tô vendo dá pra levar.
__ Foi ontem, após a apresentação da Orquestra, na casa do
maestro...
__ Não disse...
__ É fácil, só seguir a receita... tá tudo aí.
__ A mercearia tá aberta... Ô Joel, vê o que tá faltando, vamos
encarar, eu compro e você faz, ok?
__ Vamos deixar pra domingo, após o jogo... mesmo porque eu vou
pegar turno daqui a pouco.
__ Tá... domingo, todo mundo com todo mundo.
Joel ficou decorando a receita. Ficaram na expectativa e nos
planos. O domingo veio logo. Após o jogo foram chegando. Da
panela vinha um cheiro bom, convidativo. Foram se servindo. E
bebendo. Eu declinei. Não me sentia bem. Fiquei na água tônica com
sonrisal. A turma se esbaldava. Limparam a panela. O domingo foi
embora com o Joel fechando o buteco quase à meia-noite.
Na segunda-feira, o buteco fechado. Soube que ficara assim
o dia inteiro. E que a coisa pegou. Encontrei o Jacaré. Pálido.
Parecia um personagem da Santa Casa.
__ Cara, cê devia patentear essa receita. Ía ganhar muito dinheiro.
Aqui, ninguém da turma foi trabalhar hoje e talvez só daqui uns dias.
Bicho, aquele troço é o maior laxante que eu já vi na vida... a turma
tá numa satisfação, doidinha pra te ver... ih, deixa eu ir lá dentro.
Soube depois que foi a manteiga. O Joel tomou todas o dia inteiro.
Fez a sopa de memória. Em vez de refogar a cebola conforme a
receita, para que ela ficasse molhada, não, fritou 250 gramas de
manteiga. O purgante teve efeito por quase uma semana.