A normalidade
Os gritos que ecoavam no ambiente à meia luz chegavam aos meus ouvidos em um idioma estranho. Na linguagem de um mundo distante que não me prestei a aprender.
"Vai filho da p....!Bate! Soca ele!Vai, vai,vai car......Ehhhhhhh!!!! Ganhamos!"
Momentos antes, enquanto delineava os olhos para que enxergassem a rigor à beleza noturna que tanto me apraz, (fachos de luz, nacos de silêncio, música ambiente, perfume latente, promessas, beijos, queijo, desejo, vinho...embriagues da alma) não poderia imaginar que a magia daquela noite estaria, em primeiro plano, na tela de uma enorme TV que emoldurava dois homens se engalfinhando num ringue.
Não é a primeira vez que me sinto démodé. Muito pelo contrário, a constância da minha desatualização às badalações do momento tem me causado a sensação de anormalidade. Ora, pois, uma pessoa normal deveria não só saber que se assiste luta livre nos bares noturnos, como torcer por um daqueles dois homens que se soqueavam na lona.
Mas confesso que não sabia, e, o que é ainda pior, não fazia ideia de quem seriam aqueles sujeitos.Não gosto de luta livre, nunca gostei e suspeito que nunca vá gostar, ainda que todos os homens do mundo adorassem e eu estivesse desesperadamente tentando conquistar algum deles.
Mas vi que as mulheres gostam. E vi muito mais! Vi que elas também torcem, gritam,xingam,em alto e mau tom, tal qual os homens fazem. Independente de também terem os olhos delineados, as bocas pintadas, as saias curtas, as pernas amostra cobertas por meias de seda, mulheres estão cada vez mais parecidas com eles.
Confesso que cheguei a duvidar que alguma delas estivesse fazendo aquilo por gosto e vontade própria. Até cogitei a possibilidade de estarem fingindo no intuito de serem “gostadas” e admiradas por eles, e fazerem parte do interessante e atraente mundo másculo, entende? Mas, como admiti logo acima, é que sou anormal.
Normal seria se eu tivesse reservado a mesa mais próxima à TV naquela noite, e antes de sair borrifasse meu perfume mais caro pensando “ vou à luta”. Que atentasse para cada golpe lançado , torcesse para que o “meu” lutador fosse o mais violento, e me extasiasse no final com a sua vitória.
Somente uma pessoa anormal, como eu, pensaria em sair para bater papo - de preferência em baixo tom - ouvir música de qualidade e dançar sem coreografia.
Gente anormal vive fora do atual circuito televisivo, e consequentemente, por fora dos acontecimentos mais interessantes do mundo. Não sabe quem é Carminha, muito menos quem acabou de matar quem, em que novela, de que horário. Desconhece a letra e os passos marcantes das músicas que fazem sucesso atualmente, e sente profundamente pelo camaro amarelo ter perdido o glamour clássico de coupé esportivo.
Gente anormal, além do meio ambiente, defende a preservação da ortografia correta, e reza todas as noites para que as pessoas leiam uma página... apenas...por semana... que não seja exclusivamente da internet, e que aprendam a escrever...e pensar...até o final da faculdade.
Gente anormal acredita que o fim do mundo está sendo anunciado e que isto não tem nada a ver com os Maias ou Nostradamus, que é coisa de gente viva... e normal.
Enfim, gente anormal deveria ser confinada, de preferência numa casinha à beira mar, numa praia deserta.
Por favor, divulguem! Sou um perigo que anda à solta.
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