DESATINO

Hoje, por volta das 14 horas, talvez pouco antes, senti de repente um mal estar, uma sensação de "perda de energia" que me deixou meio que prostrada, muito sonolenta, desvitalizada. Estranhei esse mal estar fora de contexto e resolvi tomar um café na cozinha, coisa que fiz enquanto conversava com minha fiel escudeira Regina (ela trabalha em minha casa ha 17 anos). Terminado o café e as especulações minhas e dela sobre o que poderia estar me causando esse torpor, vi que a solução seria deitar-me e entregar-me por algum tempo aos braços de Morfeu...

A TV do quarto estava ligada num canal do Senado e entre uma "pescada" e outra eu podia ver o semblante severo do relator do Mensalão, expondo sua acusação e condenação a um dos "meliantes" dessa corja de bandidos que descaradamente tomou "de assalto" o nosso Brasil.

Abria vez ou outra os olhos, com muito esforço, visto que eles insistiam em cerrar-se pesadamente e, entre fatos absurdos da narrativa do Ministro, mais as imagens desconexas que passavam em flashes pela minha mente semi-entorpecida sabe-se Deus por qual razão, eis que fiquei naquele estado "catatônico" por duas horas mais ou menos e acordei num sopetão até cômico, pra não dizer tragicômico visto que quase caí da cama!! Olhei para um lado, para o outro, buscando situar-me e identificar onde estava e, mais que isso, POR QUE estava onde estava e, antes de ter uma clareza de pensamento, pus-me de pé e corri em busca de Regina, querendo saber o que rolara na casa durante meu "súbito desfalecimento".

"-Dona Sandra, um paciente seu ligou mas eu disse que a senhora não poderia falar com ele porque estava no consultório atendendo uma pessoa, e ele então ficou de ligar mais tarde."

Essa é minha escudeira de todas as horas, me salvando de uma situação desconfortável, pois, como explicar depois ao paciente que a Terapeuta sofrera um "súbito apagão " no meio do dia, com um sol a pino brilhando no céu?!

Pois bem, minhas perguntas acerca do sono teriam sua resposta uma hora depois que me levantei e Regina foi embora: recebi um telefonema da minha manicure perguntando se eu já sabia o que havia ocorrido com minha cabeleireira. Assustei-me com a pergunta, e quase adormecendo novamente, dessa vez em consequência de um desmaio por puro susto, perguntei do que se tratava, e ela em prantos relatou-me o fato mais triste dos últimos tempos: minha amiga (e cabeleireira), sempre tão bondosa e gentil, mãe de dois filhos gêmeos de 21 anos, apaixonada por seus pimpolhos dos quais um se casou não faz muito tempo e até já lhe deu uma netinha linda, perdeu hoje, às 14hs, num acidente de moto, o filho que morava com ela, seu companheirinho, seu amor, seu menino... Que dor!! Senti em minhas entranhas que pariram as 3 filhas que são tudo para mim, a dor dessa mãezinha nessa hora tão sofrida e desesperada. Entendi o meu desfalecimento. Sensitiva que sou, de algum modo "captara" a tragédia em andamento. E chorei... Por ela, pelo rapaz que se foi tão cedo num acidente estupido de moto; chorei pelo nosso País tão lindo e tão aviltado pela ganância de gente sem escrúpulos, que se julga acima do bem e do mal; chorei por nosso povo órfão de respeito e de dirigentes que realmente amem nosso Brasil e queiram o melhor para nossa Pátria e nossa gente; chorei pelas cenas de barbárie as quais somos expostos dia após dia, na TV, onde as "Carminhas da vida" (personagem central da novela AVENIDA BRASIL) tripudiam, violentam e matam num exercício psicopatológico desenfreado, numa realidade onde o bem perde quase sem recursos para um mal dia a dia mais crescente, mais evidente, mais escancarado; chorei pela minha impotencia diante de tudo isso...

Lembrei-me que dia desses soube que foi feita uma pesquisa para medir o grau de influencia nefasta que as cenas de violencia provocam em nossas crianças, em especial nas que perdem horas nos games de guerra, lutas e horror desmedido, e o resultado foi o seguinte: diante de cenas de forte apelo emocional, de violência, as crianças que não ficavam muitas horas por dia diante das suas telinhas (games e TV) manifestavam reação "cerebral", medida atravé de aparelho com eletrodos, diante de tais cenas, ao passo que aquelas que se expunham mais tempo não manifestavam reação alguma, tal qual os psicopatas.

Isso é calamitoso! Estaremos produzindo psicopatas em série com a nossa insensatez?! Estaremos desativando o Sistema Límbico do cérebro de nossas crianças?!

É impressionante perceber que, de repente, a partir de um fato isolado de grande impacto, como esse da perda do filho da amiga, vi desencadear-se um turbilhão em minha mente, num "jogo de associação" expontânea que me levou a constatar que, realmente, aquilo que se passa em nosso íntimo e que faz-nos vibrar em diversas sintonias, atrai força similar. "Viajei" através de situações que meu espírito por certo decodificou como tragédias, e meu corpo, obra perfeita de Deus, manteve-me a salvo em sono profundo...

Não sei exatamente qual a moral dessa minha "enxurrada" emocional, mas, com certeza desabafei, desandei, desatinei... É a vida, que apesar dos pesares, como cantava Gonzaguinha, "é bonita, é bonita e é bonita..." E que valha-nos Deus!!