ENERGIA TAMBÉM É AMOR

Era dezembro e chovia muito. A vida diferenciava-se das outras estações. Para mim, excelente! Sempre achei que a chuva motiva-me a escrever. O matizado da coloração, o cheiro de terra molhada, a vida nascendo por todos os lados, mexem com a minha sensibilidade. Vejo tudo mais bonito e o Deus dentro de mim tem cabelos molhados e feições de aconchego, de ternura...

Na Delegacia de Crimes de Acidentes de Trânsito, as ocorrências se intensificavam.

Ainda estava de lua-de-mel com a 2ª edição do meu livrinho, e era comum o recebimento de cartas, visitas, telefonemas... Um telefonema marcou-me muito naquela época. Era de uma senhora, também paraplégica.

— Ganhei de presente o livro Pássaro Sem Asas de sua autoria e já o li três vezes. Fiquei pasmada como você consegue relacionar-se sexualmente com o marido. Desde a fatalidade que me ocorreu nunca mais fizemos amor. Choro todos os dias. Tenho bolsões sob os olhos. Penso muito em suicidar-me. A vida não tem sentido. Tomo tranqüilizante e tenho uma moça para cuidar de mim. Meu marido saiu de casa sob a alegação de trabalho. Só retorna nos fins de semana. Ele se irrita ao me ver chorar. Acho que quer separar-se de mim — disse-me ela, sentida.

— Você deve ler o meu livro mais vezes e tentar imitar-me. A vida não é fácil! Você tem que achar uma maneira de comandar-se, tomar as rédeas de sua casa. Na minha, continuo sendo a dona da casa. Não tenho moça para cuidar de mim. Sou eu quem cuida de todos. Tudo como antes, embora as pernas não marquem passadas no chão.

Por que tranqüilizantes, choro, pessimismo? Ninguém vai resolver o seu problema a não ser você mesma! Ninguém gosta de ficar perto de pessoas assim. Aja enquanto é tempo! Arrume-se! Tome gosto pela vida. Assuma a sua casa! A mente não sofreu defasagem. Ponha um sorriso no rosto! Reconquiste O seu marido! Caso contrário, vai perdê-lo, e breve!

Lógico que ela não esperava essa resposta. Foi como se eu botasse água na fervura. Mas precisava ser assim. Teria que haver um choque para uma tomada de consciência. Senti que ela ficou desapontada e, simplesmente, despediu-se.

Dias depois, um mês talvez, telefonou-me dizendo haver seguido as minhas orientações.

— Estou outra! Joguei a tristeza fora, dei uma ajeitada no visual, reconquistei o marido e já fizemos amor! Valeu a "dura" que você me deu! Fiz do seu livro uma cartilha!

Fiquei feliz com as palavras da colega. Juro que da nossa primeira conversa restou-me um sentimento de culpa por haver sido tão dura. Sei que ela queria um ombro para chorar, mas a situação estava tão acentuada que o tratamento de choque seria a única solução. Energia, também, significa amor.

Tempos depois, noutra ligação, ela estava tão bem que queria arranjar um emprego. Queria sair de casa, atuar, trabalhar, participar... Orientei-a como pude. Afinal, tratava-se de uma pessoa erudita, o que facilitava a realização do seu desejo.

Contudo é preciso ter garra para enfrentar, pois, o preconceito é uma realidade que não podemos negar. Pouco se sabe sobre a nossa capacidade de trabalho, sobre o nosso direito à cidadania.

Genaura Tormin
Enviado por Genaura Tormin em 25/02/2007
Reeditado em 25/02/2007
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