Êta vida besta! (2)
Êta vida besta! O amor insistindo à toa. Murro em ponta de faca. O beijo coagulado dos afagos. Horas de piche sob pés descalços. Noite absurda. Cada esquina é quase beco. Descaminhos de almas perdidas. Viver à luz de velas enquanto um punhado de lua vai pintando as suas sombras. A vida quase. Sempre rente. O triz quando o resto é abismo. A linha rota. Horizontes de viés puídos.
Êta vida besta! Asfixia pelo vento. Ar comprimindo as narinas. O cheio igual ao vazio. Apnéia em atmosfera farta. Viver pedindo passagem onde não existem caminhos ou paredão de pessoas sem rosto. Traços imprecisos. A geometria perdendo o compasso. Ser ainda menor que um ponto para delírio dos axiomas. Não ser um plano, mas acidente. Desconstrução de tudo. Jogar a criança fora para criar a placenta.
Êta vida besta! O colírio nublando a vista. Caminhos cegos. Luz ilusão de ótica. Ser a incógnita da equação de Fermet, simples e complexa. Feita a vida, noves fora zero. Vácuo. Esteira de saudades do que nunca foi. Ser o que for sendo. O mesmo que nada. O vazio adimensional das coisas. Caminhar nas entrelinhas de um texto que ainda está para ser escrito.
Êta vida besta! O encanto de tudo que é feito memória. Tudo pronto e acabado. Ir. Toda estrada é nenhuma no mapa-mundi das indiferenças. Tudo é o nada transfigurado em paisagens. O que resta deixa no ar o ranço azedo das esperas. Partiu-se o fio com que as pessoas se comunicavam. Solidão toda feita de silêncios. Casas cobertas com a poeira que o vento soprava com uma tosse de tuberculose. O inelástico pulmão da vida. O começo numa tépida poça de sangue e lama, a argila primeva. Mas havia o impasse de Deus.
Aldo Guerra
Rio das Ostras, RJ.