Águas são-franciscanas
Eles insistem em mexer no São Francisco. Querem, de qualquer jeito, a transposição de suas águas. Alegam que, alterando-lhe o curso, os pobres de alguns Estados nordestinos deixarão de passar fome e sede. Será?
Como dom frei Luiz Flávio Cappio, OFM, sou contra o projeto de transposição das águas do Velho Chico. Como o corajoso prelado, também acho que essa transposição beneficiará somente os grupos não interessados em verem o nordestino pobre com a barriga cheia. E ainda poderá modificar sensivelmente, e para pior, o perfil do grande rio nacional.
Dirão que sou contra o projeto porque estou na Bahia, Estado que detém 45,20% da bacia do Velho Chico. Não é verdade. Moro em Salvador, mas sou do Ceará, um dos Estados que também deverá ser "socorrido", se efetivada a transposição.
Dirão mais, que meu veto é o veto de um sujeito desalmado; indiferente ao sofrimento dos seus irmãos cabeças-chatas. Nada disso.
Apenas entendo que existem outras maneiras de socorrer os descamisados do Nordeste, sem que se precise mexer no São Francisco.
Quais? Que o diga o governo da União, depois de ouvir técnicos sérios; sem cor partidária; sem compromissos com os grandes grupos "interessados" na transposição.
Argumenta-se que a idéia da transposição das águas são-franciscanas vem sendo discutida há mais de 150 anos. Ora, se a transposição fosse a salvação da lavoura, governos passados já a teriam providenciado. Adiá-la, indefinidamente, poderia parecer uma grande sacanagem com o Nordeste.
Lembre-se, que no decorrer desses 150 anos, o Brasil esteve, em várias ocasiões, nas mãos de ditadores com poderes ilimitados.
Conheço boa parte das barrancas do Velho Chico. Apesar de maltratado, o rio continua lindo e fértil. Certa ocasião, desembarquei em Petrolina, e, no almoço, comi um delicioso surubim, que para muita gente é o melhor peixe do São Francisco. Com a transposição, que acontecerá com os surubins?
Cheguei em Petrolina de ônibus, depois de enfrentar uma BR esculhambada. Arriscando-me a sofrer um descolamento de retina, no caminho, li alguns capítulos do livro Desabafo e promessa - O Rio São Francisco, um depoimento vigoroso do saudoso jornalista Carlos Lacerda.
Em um desses capítulos, diz Lacerda: "O São Francisco participa do Nordeste e o salva." Como acontece, ele responde: "Fertilizando-o, dando-lhe condução e comida fácil." O jornalista não fala em transposição de suas águas.
Comida fácil. Irrigando a terra boa do sertão, o São Francisco dá ao sertanejo uma boa cebola, melancia, melão, mamão, manga, caju, feijão, arroz e excelente uva. Petrolina, por exemplo, já tira dos seus parreirais vinhos excelentes, que já correm o mundo.
As águas do Velho Chico dão ao barranqueiro gordas traíras, enormes piranhas, e o surubim, que Carlos Lacerda, no seu livro, chama de "bacalhau do São Francisco".
E ainda adubam as humildes roças, chácaras e fazendas plantadas ao longo de suas margens.
Condução. O rio permite a navegação de pequenas embarcações. Pena que tenham saído de circulação as famosas e simpáticas gaiolas, durante décadas, o principal meio de transporte dos ribeirinhos. Gente de Barra, a cidade de dom Flávio, ainda chora com saudade dos vaporzinhos do São Francisco. No cais de Juazeiro há um deles, transformado em restaurante e barzinho.
Águas franciscanas que alumiam as casas dos ricos e a tapera mais escondida, com a energia tirada das turbinas de Paulo Afonso, Itaparica e Xingó.
Águas franciscanas que, na seca feroz, matam a sede do bode, da cabra e do intrépido jumento; o "jumento, nosso irmão", no livro do padre Vieira, não o do "estalo", mas o belo escritor cearense.
Tanto interesse pelos irmãos nordestinos... Mas só agora? A miséria no Nordeste não acontece somente porque as águas do São Francisco não chegam às suas torneiras.
Se as autoridades desejam ajudar essa valorosa região do Brasil, antes de mexerem no grande rio, ouçam frei Flavio Cappío. E ponham na cadeia aqueles que roubam os cofres da Nação, dos estados e dos municípios, tirando do nordestino o que, por direito, lhe é devido.
Deixem o São Francisco em paz.
Como Deus o fez...
Como Deus o quer...
Eles insistem em mexer no São Francisco. Querem, de qualquer jeito, a transposição de suas águas. Alegam que, alterando-lhe o curso, os pobres de alguns Estados nordestinos deixarão de passar fome e sede. Será?
Como dom frei Luiz Flávio Cappio, OFM, sou contra o projeto de transposição das águas do Velho Chico. Como o corajoso prelado, também acho que essa transposição beneficiará somente os grupos não interessados em verem o nordestino pobre com a barriga cheia. E ainda poderá modificar sensivelmente, e para pior, o perfil do grande rio nacional.
Dirão que sou contra o projeto porque estou na Bahia, Estado que detém 45,20% da bacia do Velho Chico. Não é verdade. Moro em Salvador, mas sou do Ceará, um dos Estados que também deverá ser "socorrido", se efetivada a transposição.
Dirão mais, que meu veto é o veto de um sujeito desalmado; indiferente ao sofrimento dos seus irmãos cabeças-chatas. Nada disso.
Apenas entendo que existem outras maneiras de socorrer os descamisados do Nordeste, sem que se precise mexer no São Francisco.
Quais? Que o diga o governo da União, depois de ouvir técnicos sérios; sem cor partidária; sem compromissos com os grandes grupos "interessados" na transposição.
Argumenta-se que a idéia da transposição das águas são-franciscanas vem sendo discutida há mais de 150 anos. Ora, se a transposição fosse a salvação da lavoura, governos passados já a teriam providenciado. Adiá-la, indefinidamente, poderia parecer uma grande sacanagem com o Nordeste.
Lembre-se, que no decorrer desses 150 anos, o Brasil esteve, em várias ocasiões, nas mãos de ditadores com poderes ilimitados.
Conheço boa parte das barrancas do Velho Chico. Apesar de maltratado, o rio continua lindo e fértil. Certa ocasião, desembarquei em Petrolina, e, no almoço, comi um delicioso surubim, que para muita gente é o melhor peixe do São Francisco. Com a transposição, que acontecerá com os surubins?
Cheguei em Petrolina de ônibus, depois de enfrentar uma BR esculhambada. Arriscando-me a sofrer um descolamento de retina, no caminho, li alguns capítulos do livro Desabafo e promessa - O Rio São Francisco, um depoimento vigoroso do saudoso jornalista Carlos Lacerda.
Em um desses capítulos, diz Lacerda: "O São Francisco participa do Nordeste e o salva." Como acontece, ele responde: "Fertilizando-o, dando-lhe condução e comida fácil." O jornalista não fala em transposição de suas águas.
Comida fácil. Irrigando a terra boa do sertão, o São Francisco dá ao sertanejo uma boa cebola, melancia, melão, mamão, manga, caju, feijão, arroz e excelente uva. Petrolina, por exemplo, já tira dos seus parreirais vinhos excelentes, que já correm o mundo.
As águas do Velho Chico dão ao barranqueiro gordas traíras, enormes piranhas, e o surubim, que Carlos Lacerda, no seu livro, chama de "bacalhau do São Francisco".
E ainda adubam as humildes roças, chácaras e fazendas plantadas ao longo de suas margens.
Condução. O rio permite a navegação de pequenas embarcações. Pena que tenham saído de circulação as famosas e simpáticas gaiolas, durante décadas, o principal meio de transporte dos ribeirinhos. Gente de Barra, a cidade de dom Flávio, ainda chora com saudade dos vaporzinhos do São Francisco. No cais de Juazeiro há um deles, transformado em restaurante e barzinho.
Águas franciscanas que alumiam as casas dos ricos e a tapera mais escondida, com a energia tirada das turbinas de Paulo Afonso, Itaparica e Xingó.
Águas franciscanas que, na seca feroz, matam a sede do bode, da cabra e do intrépido jumento; o "jumento, nosso irmão", no livro do padre Vieira, não o do "estalo", mas o belo escritor cearense.
Tanto interesse pelos irmãos nordestinos... Mas só agora? A miséria no Nordeste não acontece somente porque as águas do São Francisco não chegam às suas torneiras.
Se as autoridades desejam ajudar essa valorosa região do Brasil, antes de mexerem no grande rio, ouçam frei Flavio Cappío. E ponham na cadeia aqueles que roubam os cofres da Nação, dos estados e dos municípios, tirando do nordestino o que, por direito, lhe é devido.
Deixem o São Francisco em paz.
Como Deus o fez...
Como Deus o quer...