O UNIVERSO DAS MÃES
Esta é uma croniqueta de saudade. Há precisamente dois anos, perdi minha mãe. Quem já passou por isso, vai entender bem (e talvez até comigo sinta) tudo o que aqui vai escrito; quem ainda não, certamente que também concordará com o que ler - há muitos anos escrevo e sei que, se nunca fui unanimidade nas idéias que defendo, esta será uma exceção.
Minha mãe se foi tragicamente. No auge da sua beleza e mocidade (52 anos apenas), descobriram nela uma doença rara que a consumiu em menos de nove meses. Mas não morreu caquética, cadavérica, vegetando, não. Morreu como viveu: com uma vivacidade na face, trabalhando (um pouco abatida, decerto), com a sua fé inabalável na cura e deixando tudo encaminhado - como sempre, sempre fez. Mas morreu e abriu um buraco sem fundo na minha vida.
Descobri, algum tempo depois da sua partida, que quando a mãe morre, o filho renasce. Se no parto é ela quem sente todas as dores do nascimento, é ela quem sofre, neste parto segundo quem sofre (e muito) todas as dores do (re)nascimento somos nós. E sofremos e sentimos sós, em geral, porque o mundo não se comove com o nosso pranto e o consolo dos que nos rodeiam não vai além do "meus pêsames" e do tapinha nas costas... Todo filho que perdeu a mãe renasce automaticamente da dor! A vida sem a mãe tem que ser reaprendida, na marra. Uma mãe, mesmo as que vivem distante por qualquer razão, preenche totalmente a vida do seu filho, que para ela nunca está completa, definida, segura. E, de fato, depois da perda, percebemos cruelmente que, mesmo já aparentemente formados, definidos, encaminhados, não tínhamos aprendido tudo (ou não aprendemos quase nada, essa é a verdade...) e precisaríamos de outros longos anos na companhia dela para aprender mais...
Não há qualificativos para se designar o carinho, o cuidado, a atenção, a preocupação, o conforto, o consolo, a vigilância, o afeto, a orientação, enfim, o amor que a mãe devota ao filho. Não consigo me lembrar de nenhuma palavra que tenha a potência semântica para abarcar toda a grandiosidade de uma mãe. Há dois anos que procuro uma para definir a minha, sinteticamente, e já estou me dando por desiludido... Maravilhosa? Insubstituível? Perfeita? A minha era tudo isso junto e ainda mais um pouco (este pouco é justamente o que não cabe numa palavra só, entendem?)
Mães não deveriam nunca ir antes dos filhos, pelo simples e singelo fato de que os filhos jamais viverão sem as mães. Eles, na melhor das hipóteses, passam. Mas nunca viverão do mesmo jeito. E mães nem podem ser clonadas ou reinventadas... A ciência já conseguiu extinguir da criação a figura do pai (fomos trocados por um fálico tubo de ensaio), mas está longe de trocar a mãe por qualquer coisa que se pareça com a sua função. Mãe é ininventável, mãe vem com dispositivo anti-albiére de fábrica...
Esta croniqueta, que já quase resvala para uma coisa maior, como disse lá em cima, foi escrita com o tom da saudade... Ela é só para eu dizer que sinto falta da minha mãe. Mas acho que, de uma certa forma, acabei dando eco a muitas vozes, caladas e já sem mãe, que sentem o que eu sinto há dois anos e sentirei ad eternum. Afinal, se mãe é tudo igual, só muda de endereço, filho sem mãe também é.
(São Luís - MA - 2002)