Tempo de Faxina
Ela pegou a vassoura, o esfregão e um espanador. Seria uma faxina daquelas. Lembrou-se do balde com água e muito sabão em pó. Omo que conforme a propaganda daria brancura total.
Entrou naquele cômodo e ficou horrorizada. Fechado há tanto tempo, era a mais perfeita imagem da sujeira. Estacou á porta já que mais não podia avançar em virtude das tralhas jogadas ali ao longo dos anos.
Teias pendiam das vigas do teto, fazendo um tecido que recobria tudo. Passou a mão á frente e desfez alguns fios desse tecido. Começou a retirar o que a impedia de entrar.
O corredor atrás dela estava se enchendo de restos, coisas velhas, móveis quebrados, caixas inúteis e conseguiu finalmente avançar até uma janelinha. Estava emperrada e a falta de ventilação era sufocante.
O hóspede breve chegaria e ela se pegou pensando na alegria daquilo, no renovo que seria ter alguém ali. Estava desacostumada, mas desejava muito aquele momento.
Anos de sujeira naquele cômodo fechado. A porta quebrada, a janela emperrada, o sujo resistente no chão, a poeira sufocante, as teias de aranha tecendo suas tramas em todo o ambiente.
É, precisava muito limpar tudo, afinal como ele iria entrara ali se ela, a dona, mal passara da porta, e este exame mostrava um total descaso? Por muitos anos esquecera aquele lugar, mantendo a porta cerrada e impedindo quaisquer aproximações.
Agora o lixo acumulado impedia a entrada de alguém, a mágoa manchava as paredes, a angustia tecera teias, a raiva encardira o chão, o medo emperrara a janela.
Ele chegaria hoje, tão longamente esperado, tão anunciado, ele viera finalmente e se arriscar a bater á porta daquele coração. Incauto que era, insistira e agora ela se via no afã de promover toda a faxina. Até cantava nessa manhã, com uma voz rouca desacostumada desses sons melódicos. Se achou estranha, não reconheceu sua voz antiga, mas percebeu que queria cantar, aliás, o cântico desaguava da sua boca sem que ela pudesse contê-lo.
O coração outrora ressabiado, se mostrava agora festivo, esperançoso, á medida que a sujeira era lavada. Já podia até ver o aspecto desse coração. Manchado, arranhado sim, mas lavado, esfregado, vazio e preparado pra receber esse hóspede, quiçá morador permanente.
Ele chegaria logo e tudo estaria areado, espanado, brilhando. Não que ele não soubesse o quanto aquele lugar fora fechado; ele era um corajoso realista e chegava disposto a sentar na cadeira limpa e nova que agora estava no meio do ambiente, sem nem se preocupar com os fantasmas que habitaram ali por tanto tempo.
Ela fechou a porta atrás de si automaticamente e o barulho da fechadura doeu-lhe. Voltou para abri-la, sorriu e saiu cantando. Não é que sua voz agora era tão melodiosa quanto o fora há muitos anos atrás? Riu alto contente e cantou sem medo.