.:. A teoria do ovo .:.

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... E Colombo, “batendo levemente contra a superfície da mesa, quebrou um pouco da casca; graças a este pequeno achatamento, o ovo se manteve perfeitamente na posição vertical”. Eis o milagre ovíparo de Colombo.

– Mentira! Ele usou foi minha teoria do ovo! – esbraveja Toinzé ao ouvir a reportagem na tevê.

– A ideia pode até ter sido de outro, mas quem entrou pra história foi ele, homem! Isso que importa! E você, desde quando tem queda pra inventor?

– Quem primeiro realizou a façanha de colocar ovo em pé foi o arquiteto florentino Filippo Brunelleschi.

– Quem se lembra dele, meu amigo? A história é feita de repetições e esse nome esquisito eu nunca mais ouvirei novamente, duvida? – o bar do Seu Chico Leonel entra em polvorosa. Todos querem testemunhar a discussão.

– Filippo...

– Brunele que se lasque! Nome mais esquisito! Se fosse Bruna Linda eu até que daria mais atenção a você.

A plateia sorri exaltada.

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Recordando o caloroso bate-boca entre amigos na mesa de bar do Seu Chico Leonel, senti-me o próprio ovo do navegador genovês!

Pra quem é homem, fica a deixa: “ovo achatado dói demais da conta!” Infelizmente, tem gente que gosta de chiliques no ovo! E ai do puxador quando o puxado gosta.

Os atuais babões ou puxadores de saco talvez desconheçam a origem da expressão, mas os famosos abre-e-fecha-porta de hoje têm sua etimologia[1] ligada a uma fruta, diferentemente da secreção de cloacas desavisadas que botam ovos por botar, sem qualquer pretensão.

À época dos feudos[2], era comum que as maçãs, antes de serem entregues aos senhores feudais, fossem polidas. Um áulico[3] serviçal, após retirar das frasqueiras reais uma das frutas simbolizadoras do pecado, esfregava-a na roupa e só depois a oferecia ao seu senhor. Surgia assim a figura do apple polisher (polidor de maçã); numa tradução mais simples, vulgar e atualíssima, poderia ser adaptada para: babão! É, amiguinho, ser babão de carteirinha não é privilégio nosso, homens e mulheres do Século XXI! Isso vem de longe, de muito longe, a long time ago[4]... Evitei a expressão pejorativa “chupa-ovo” única, exclusiva e simplesmente em respeito ao ovo de Colombo, coitado, que depois de achatado ficou em pé!

Ofusca-me a cara de cara-de-pau do sem-vergonha que esfrega a maçã nas calças e a entrega, sorrindo, para outro não menos sem-vergonha que a recebe, morde-a e toma gosto nos beiços! Caberia outro aforismo[5]: “Qual o fim dos bajuladores se inexistissem os amantes da bajulação?” Ou então: “O que seria dos protegidos sem os protetores?”.

Voltemos à Teoria do “Ovo”. Esse “Ovo” escrito meio vesgo e assimétrico, um maior e o outro menor, foi proposital. A Teoria do ovo comprova que os ovos postos variam, dependendo da cloaca expedidora[6]. Retomando à dolorosa metáfora[7] do ovo achatado, diríamos que o maior foi justamente o esmagado ex-ovinho que se tumefez[8].

No reino lá do tal senhor que gosta de comer maçãs, existem vários serviçais, muitos dos quais competentíssimos, abnegados, corretos, mas, coitados, desvalorizam o ovo que põem! Trabalham. Trabalham. Trabalham. E trabalham. Infelizmente, aprenderam apenas isso: trabalhar. Tudo que executam sai a contento. Nunca se abstiveram das atribuições. Mesmo assim, são esquecidos, mais um... Não aprenderam a botar ovos!

As genuínas galináceas, ao expelirem ovos ricos em vitaminas B e E; com a casca apatacada[9] de cálcio; com a gema fonte de ferro, colina, ácido fólico, lecitina, biotina, antioxidantes, luteína; apresentando propriedades aglutinantes, anticristalizantes, aromatizantes, coagulantes, corantes, emulsificantes, espumantes; prevenindo alergias, Alzheimer, artrites; prevenindo degeneração macular senil ou cegueira da idade, doenças cardiovasculares, infecções infantis, osteoporose, Parkinson... Essas coitadas jamais se imaginariam, assim como eu nunca consigo me enxergar, vítimas de oportunistas expropriadores que se utilizam delas para destacarem-se na vida!

Diriam elas:

– Gente! A cor do ovo diz apenas qual é a cor da mãe! Se o ovo é branco a galinha é branca; se o ovo é vermelho, mãe red[10]! E se você vende ovos é desnecessário colocar no outdoor ou nos modernos busdoor[11]: “Ovo grande, branco, brilhante, gostoso, nutritivo...” Quem vai comprar perceberá como o ovo é! Ponha assim: ovo. E se for colocar algo do tipo “vende-se”, lembre-se que: vende-se ovo é o correto; e se o empreendedor quer vender mais de um: “vendem-se ovos”, por favor! Um ovo é vendido; dois ovos são vendidos. O ovo não tem o “m” que existe na palavra “mais” de um, mas ele precisa estar lá no plural!

Esse seria, certamente, o papo entre galinhas e a gente, os galinhas – os expropriadores da qualidade de botar ovo!

.:. #.:. Ni .:. # .:.

– Oh, Toinzé, vai enrolar até quando? Afinal de contas, e a Teoria? – interpela o Duca, o grandalhão mais temido do bairro.

– Calma, Duca! Você é um brutamontes, mas não é dois! Preciso vender meu ovo!

Teoria! Teoria! – mais impacientes vozes ecoam no bar.

– A Teoria é bem simples! Vamos a ela: quando fizer algo, saia por aí feito galinha, cocoricando para todos os cantos, de preferência para os lados onde os ventos sopram, levando o seu cocoricó para bem juntinho do seu chefe. Chefe adora cocoricós! Avise pra todo mundo que você pôs um ovo! É irrelevante se você é branco, vermelho, amarelo... Valorize seu ovo com incomparáveis cocoricós. Isso parece simples, mas não é fácil. Nem todos no reino conseguem essa proeza, mas o trono e as glórias serão daqueles que souberem surpreender...

.:. #.:. Ni .:. # .:.

Usurpando-me da finalização do memorável Colombo noutro trecho da mesma reportagem, ele, depois de ser provocado pelo cortesão, arremata:

“– Uma vez que mostrei o caminho para o Novo Mundo, “qualquer um” poderá segui-lo. Entretanto, “alguém” teve antes que ter a ideia. E “alguém” teve, depois, que se decidir a colocá-la em prática”.

Infelizmente, mesmo depois de (re)descobrir a Teoria do ovo, continuo tendo meus incontroláveis comichões[12] ao imaginar-me como galinha e meus guturais cocoricós!

No bar do Seu Chico Leonel, homens curiosos querem saber se é mesmo possível se colocar um ovo em pé. Chega um ovo (branco), mas parece que o bateram forte demais na cabeça do Zé do Bafo, o cachaceiro mais requisitado das redondezas. O homem quase desmaiou depois da cutucada do Duca.

Todos sorriem.

A discussão inicial parece esquecida, tudo acabou em festa, e o Zé do Bafo, depois de entornar uma dose caprichada de cachaça braba, numa golada só, retirou-se, cambaleando, para o deleite de todos.

Crato-CE, 28 de março de 2011.

02h34min

[1] Parte da Gramática que trata da origem e formação das palavras.

[2] Domínio nobre que um feudatário recebia (com direito de hereditariedade) de um soberano.

[3] Cortesão, palaciano, homem adulador.

[4] Há muito tempo.

[5] Provérbio

[6] Que ou aquele que expede ou remete (por conta própria ou alheia).

[7] Tropo (emprego de palavra em sentido figurado) em que sua significação natural é substituída por outra, só aplicável por comparação subentendida.

[8] Inchou.

[9] Recheada

[10] Vermelha

[11] É uma mídia elaborada em adesivo de vinil, aplicado no vidro da parte traseira do ônibus.

[12] (latim comestio, -onis); Sensação na pele que provoca vontade de coçar. Prurido; desejo ardente. Impaciência ou ansiedade.

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Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 10/10/2012
Código do texto: T3925444
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