A DIFÍCIL SURPRESA..

UM PROCESSO NÃO É SÓ PAPEL, POR TRÁS DELE EXISTEM VIDAS, ANSIEDADES, DIFICULDADES, EMOÇÕES.

FUI ESCOLHIDO PARA POR FIM A UMA INJUSTIÇA DIANTE DE UMA DIFÍCIL SURPRESA.

Vigorava anos atrás a famigerada denúncia vazia para as locações residenciais. Unilateral e violenta. O quê é isso, denúncia vazia?

Alugado um imóvel para fins residenciais por determinado prazo, expirado o prazo, o proprietário arbitrava o aumento. Se o inquilino não aceitasse, decorrido um prazo exíguo para desocupar, apontado por notificação, se não desocupasse, era despejado. Um desequilíbrio brutal entre proprietário e inquilino, totalmente desfavorecido este último.

Milhões de notificações eram distribuídas nas grandes metrópoles brasileiras aos inquilinos. Sem possibilidade alternativa para permanecer no imóvel, ou aceitava o aumento pedido ou saia do imóvel em prazo apontado pela injusta lei, ou era despejado.

As sentenças eram padronizadas, impressas, por não existir o que discutir, pois bastava notificar e aguardar o prazo decorrer e não atendido ser despejado o inquilino. Era a lei.

O cartório colocava o nome das partes, proprietário e inquilino, e o prazo notificatório expirado, com prévia notificação apontando-o, eram os únicos espaços em branco. No que estava impresso constava a lei e suas determinações. E o juiz assinava a sentença de despejo, inúmeras, incontáveis.

Nada podiam fazer os juízes. Não havia o que contestar por parte dos inquilinos. Uma vez ou outra na massa despachada criticava-se a lei, o que de nada adiantava. Tinha que ser cumprida. Já tinha um arrazoado que juntava nesse sentido; crítica à lei. Fiz muito, realçando o desequilíbrio e referindo projeto que extinguia a lei e equilibrava a relação locatícia de forma melhor. E estava engavetado....

Em contrapartida ao que se chamava "denúncia vazia", havia a denúncia cheia, ou seja, motivada, quando o proprietário pedia o imóvel para si, parentes (filhos que casavam), para vender, neste caso dando preferência ao inquilino, e outras motivações, "cheias". Possibilitando recursos. Não vigorava esse regime, mas o vazio, imotivado, para locações residenciais. Uma violência que desconhecia o sentido social da propriedade.

Um dia leio pela manhã em minha casa notícia no jornal: “casal de idosos em Copacabana, notificado para desocupar imóvel, abre o gás da cozinha e se suicida”. A sentença era da Vara em que era juiz no Rio entre todas as outras vinte e duas que emitiam milhares dessas decisões, impressas, como um contrato de adesão em telefonia, etc.

Sempre fui avesso a receber a imprensa em casos rumorosos que estavam sob minha jurisdição, a imprensa (fui testemunha inúmeras vezes), distorce fatos, não recebia, mas mandei chamar a imprensa, a grande imprensa, vindo inclusive o “jornal nacional” da Globo.

Fiz fortíssima crítica à legislação, dado à publicidade em toda a grande imprensa jornalística e televisada do Brasil, que foi gravada e levada ao ar, quando mostrei ao que a injustiça da lei poderia levar e qualquer magistrado assinaria aquela sentença, padrão, impressa, estereotipada, no caso, não uma simples sentença que discutisse um conflito de interesses, já que discussão não era possível, havia uma relação locatícia, mas também uma sentença de morte. E nenhum magistrado saberia o que havia por trás daquela relação, onde pontificava uma lei fria, desumana, que desequilibrava o direito das partes.

E acresci existir um projeto de lei que tramitava no Congresso, de iniciativa do conhecido deputado e homem de comunicação hoje já falecido, Blota Junior, que extinguia a famigerada “denúncia vazia”, e as resistências não deixavam que fosse votado.

A revolta crítica situando o desnível se fez nacionalmente, inclusive em rede nacional da Globo. Como estávamos em regime de exceção, no dia seguinte, por decreto, o Presidente Figueiredo extinguiu a “denúncia vazia”.

O casal, mártir da injustiça, logrou por essa via dolorosa colocar fim a uma excrescência por este ato extremo, uma lei ignorava o fim social da propriedade, cessando a ameaça a milhares de inquilinos, preço tão alto que marcou profundamente.

A estrada, difícil, nos reserva surpresas......

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 10/10/2012
Código do texto: T3925268
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