Uma História de Vida
Surpreendeu-me a carta do ex-ministro e ex-deputado José Dirceu ante a sua condenação ontem pela maioria do Supremo Tribunal Federal no julgamento do que se conhece por Processo do Mensalão (Ação Penal 470).
Ele começa por fazer referência a dados biográficos que devem ser considerados com o maior respeito, não estivessem eles inseridos no rol de procedimentos e atitudes de grandes brasileiros contra o despótico regime implantado no Brasil a partir de 31 de março de 1964. Lembro-me da emoção com que li um livro (não recordo o nome) em que ele aparece ao lado de Vladimir Palmeira, relatando peripécias e fatos de suas vidas marcadas pela intransigência do regime militar. De fato ele correu o risco de ser assassinado. Para entrar no país teve que se metamorfosear. Os dois naquele momento eram para mim heróis.
Depois se refere à sua dedicação ao PT, após a anistia. É interessante notar que nesse tempo o PT nada tinha a ver com a agremiação que hoje lança mão de elaboradas estratégias para não se afastar do poder. Impensáveis ligações naquela época acontecem hoje sem o menor constrangimento, a não ser naqueles que ainda se assustam com incoerências ou contradições. O que parece estar fora de moda. Afinal, “a coerência é a virtude dos imbecis”, segundo mestre Oscar Wilde. Só que é o que se espera de homens que deram a sua vida “para lutar pela liberdade do povo brasileiro”. Que me perdoe o célebre autor de “O Retrato de Dorian Gray”, mas é fácil ver o Maluf apertando a mão do Lula? O primeiro fez vista grossa aos que foram mortos pelo regime e enterrados como indigentes no Cemitério de Perús, SP. O segundo seria talvez o nosso Lech Walesa, um dos fundadores do Sindicato Solidariedade e presidente da Polônia entre 1990 e 1995.
Prossegue então o ex-ministro com a menção da cassação do seu mandato pela Câmara dos Deputados de São Paulo em uma madrugada de dezembro de 2005. Dando-se a partir daí, segundo ele, a sua transformação “em inimigo público número 1”, numa “ação orquestrada e dirigida pelos que se opõem ao PT”.
Só então começa efetivamente a se defender. O que me surpreendeu. Pois não vi tanta veemência na sua defesa. Basicamente assentada na acusação de ter sido “prejulgado e linchado”. E na alegação de que a condenação pela Suprema Corte se dá “sob forte pressão da imprensa”, sendo contrária “ao que dizem os autos, que clamam por justiça e registram, para sempre, a ausência de provas e a minha inocência”.
Por fim o ex-ministro nos diz da sua intenção de acatar a decisão do STF e de continuar “a lutar até provar a minha inocência”. O que é louvável. Pois, se estamos num estado democrático de direito, esperamos que ele reúna condições de reverter opiniões que hoje se contrapõem à sua história de vida. E que suas palavras não caiam no vazio.
E por falar em história de vida, entendo que não posso me manifestar com clareza a respeito de ausência ou não de provas, de presunção de inocência, etc., num processo com tantas injunções e interesses políticos. Não sou advogado ou jurista. Mas me acho na condição de acatar um raciocínio lógico e claro. Como o da ministra Carmem Lúcia, que votou pela condenação de José Dirceu. Ela sustenta, entre outras alegações, não estar ali no processo do mensalão para julgar a vida de uma pessoa. Mas para julgar um fato condenável cometido por essa pessoa durante a sua vida.
Rio, 10/10/2012