Luna - Minha cadelinha terrível

Ela me pegara de surpresa. Chegara à noite, dentro de uma caixa de papelão, misturada a uma profusão de jornais: pequena, pretinha, com olhos vivos, mas um tanto assustados.

Foi posta em minhas mãos por meus filhos que, apesar de ser janeiro, me desejaram feliz Natal.

Todos na casa se curvaram para ver o animalzinho ali depositado: tão pequeno, aparentemente tão frágil. Todos renderam elogios e dispensaram gracinhas à adorável cadelinha.

Eu me retirara... Por alguns momentos, pensei mesmo em pedir a meu filho mais velho que levasse dali o animal: não teria tempo de dedicar-me a ela, não queria mais preocupações... Bastavam as já existentes. Voltei à sala, onde todos examinavam as características da cachorrinha. Minha insatisfação era perceptível. Tentava disfarçar aproximando-me do embrulhinho preto, mas a rejeição estampava-se me no rosto.

Tratei, logo, de preparar um espaço para abrigar a pequenina. Levei-a para a área, junto de minha outra cadela, cria da casa, a qual tenho um afeto exagerado. Mel não gostou da ideia de ter uma pequena companheira. Olhou-a com desconfiança e se afastou, rejeitando-a totalmente.

Tudo organizado, já tarde da noite, cansados, fomos dormir, ou melhor, tentar dormir. Inúmeras vezes fomos acordados pelo choro da pequenina que buscava sua mãe. Mel, ao invés de ajudar e aninhar a pobrezinha, passou a noite bem longe dela.

Dia seguinte, novos ânimos, novas tentativas de reaproximação... O caos já se instalara no pequeno quintal: sujeira por toda parte. Talvez a comida lhe tivesse feito mal. Meu Deus! Que trabalho! Que sujeira! Que amolação! Limpar era a pedida certa. Mas a coisa se repetiu durante o dia todo. Foi preciso suspender a alimentação e tratá-la com soro caseiro e medicação apropriada. Mas não ficou só nisso, não. Toda vez que tentava me aproximar, acarinhá-la, era recebida com mordidas e arranhões. Estava realmente apavorada. Pensei em ter em minhas mãos um animal com desvio comportamental. Era só o que me faltava!

Pesquisas na internet... Leitura de muitos artigos, alguns muito esclarecedores, outros nem tanto. Tentei mudar de atitude: aceitá-la, vencer sua rebeldia com doses exageradas de carinho e amor. Mas só levei mais e mais mordidas e arranhões. Já queria vê-la longe de mim. Além do mais, estava muito suja e com um odor terrível.

Banho...Shampoo... Cremes... Ela vai ficar perfumada, talvez mais dócil... Não! Continuava a morder, e, quanto ao perfume, este se foi em poucas horas.

Evitava aproximar-me dela. Sempre a tratava com frieza, mas ela vinha, mordia meus pés, minhas pernas e, quando tentava afastá-la com as mãos, aí sim, me mordia mais e mais.

Durante semanas, tivemos a mesma situação que se agravava aos poucos, porque agora, além de morder todos, começara também a destruição da casa: portas, armários, roupas, tudo o que encontrava pela frente. Sua indisciplina chegara ao auge! Até seu próprio cocô ela comia!

Disciplina, corretivos, mais pesquisas... Iniciamos uma campanha educativa, encabeçada pelo meu filho mais novo. Cada vez que tivesse atitudes agressivas, era afastada vigorosamente. Às vezes o resultado era bom, outras vezes, não. Mas continuamos.

Oito meses se passaram. Hoje Luna está mais dócil. Não é exemplar, mas é carinhosa, brincalhona e um tanto quanto turbulenta. Já temos uma relação mais estável e amigável.

A pequena Luna nos venceu. É parte da família.