CRÔNICA CURTA: SAUDADES DO CHÃO...
Tenho saudades do chão. Tenho saudades das plantas, de sua placidez familiar, das lembranças que compartilham conosco, da mútua floração, do mútuo desfolhar, do mútuo viver vendo formigas. É bom morar em apartamento porque ele nos afasta da chatice idiota da vida rasteira que temos cultivado em dias de hoje, e também nos afasta daqueles que nos roubaram o direito de viver em casas – mas bate uma tremenda saudade do chão! Tenho saudades do cão, dos passarinhos bairristas, do cheiro de terra molhada que só sente quem não corta ao meio o destino da chuva. Saudades do churrasco, das trepadeiras, de viver perto da rua, amigo da rua, inquilino da rua, parente do nome da rua. Estranhamente, o apartamento nos bota longe do céu, que ele é em arranha-céu, e a casa é em acolhe-céu. O ventre da casa, sua roupa maternal, sua pessoalidade, sua estrutura mais amiga da anatomia dos homens. As plantas não crescem em vasos, elas limitam-se aos vasos, como nós, tristes cidadãos em iminente ordem de despejo do mundo poético, limitamo-nos ao apartamento. Tenho saudades, sobretudo, de ver cedinho o sol cobrir o chão em que, plantados nossos pés, plantávamos plantas, criávamos bichos, curtíamos a rua de nossa pequenina história, de um canto em que podíamos, num privilégio cada vez mais impossível, respirar fundo e humildemente bendizer o dia, amá-lo sem pressa e sussurrar: este aqui é o meu lugar.
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