A mala
A mala
Hoje, depois de muitas viagens, muitas estradas percorridas, resolvi abrir a minha mala. Nas minhas andanças amealhei muitas coisas e ganhei tantas outras. Enchi minha mala e agora futucando-a, vejo o quanto consegui guardar.
Abri a mala receoso, talvez, medo de mexer no que estava há muito tempo ali guardado. Encontrei velhas camisas amarrotadas e o perfume da despedida. A camisa era o adeus de outrora, um amor que ficou numa esquina e se perdeu pela vida. As lembranças naquela camisa tinham o mofo e a saudade fortes. Uma calça antiga me dizia da rebeldia e de um tempo em que eu tinha a aventura no olhar. Hoje, cansado e sem os olhos anarquistas, sigo respeitando as regras que outrora condenava. A calça já não cabe mais em mim, pelo excesso de peso e pelo peso que a vida me impôs. Retirei da mala uma cueca, ainda nova e com etiqueta. Não entendi! Nova por quê? A cueca era a representação da minha virilidade de homem, se renovando sempre, em busca de novos sonhos, novos anseios, mas será que terei dinheiro sempre para renovar meu estoque de vontades? A cueca ainda nova mostrou que tenho que estar sempre me renovando. O sapato velho e furado, parece ter andado muito. Talvez, andei demais e percorri caminhos que não davam em lugar algum e, por isso, muitas vezes entrei por atalhos e becos que não havia saída. Um frasco de perfume ainda exalava o cheiro da minha juventude, mas, hoje, sinto o odor das primaveras e o cheiro da vida. Sem contar o relógio parado no fundo da mala, que ditava minha vida, me aprisionava no tempo e me fazia escravo de mim mesmo. Hoje percebo que sem ele a liberdade me aprisiona em uma responsabilidade censora.
A mala ainda guardava segredos e poeiras de meu passado. Talvez a rinite seja conseqüência de uma vida mofada, esquecida e fechada numa mala. A mala aberta abriu também as recordações, mas percebo que novas viagens ainda terei que fazer. Novas malas irão ficar fechadas, até que num determinado dia de minha vida eu resolva abrir e olhar as roupas e lembranças que lá estarão guardadas. A minha mala estará sempre arrumada para a viagem que farei pela vida.
Mário Paternostro