Eternamente

Já passou uma hora do meu expediente e eu continuo aqui. Quebrando agora a cabeça para achar números para não querer morrer com o acúmulo deles ao final do mês. A vida? A vida continua essa convergência entre nada e porra nenhuma, cheia dos significados místicos para os cocôs que nossa imaginação construiu ao longo dos séculos. A pior parte de todas é que não é nem por obrigação que aqui ainda estou: é por pura falta de coisa melhor para fazer. Resolver meus problemas pessoais? Esse monte de repeteco, essa descarga infindável sempre girando, girando, e voltando para o mesmo lugar? Não. Nãaaao! Desvontade: pura, bruta e contumaz desvontade. Nem escrever eu tenho conseguido mais, e essa é só uma das cerejas desse bolo insólito. Já há um bom tempo que não sinto algo realmente forte... Qualquer coisa: medo, pânico, embaraço, tesão, amor... Tudo, tudo, enquanto acontece, parece ser mais a realização de uma quimera do que um acontecimento em si. Como se eu estivesse vivendo minha vida na terceira pessoa. "O Rafael tem dormido apenas quatro horas por noite". E lá estou eu, dormindo aqui, acordado em outra galáxia, procurando uma fusão entre esses meu seres distintos. Estou no automático. Meus dias passam despercebidos. Estou ficando velho e não estou sendo mudança nenhuma no mundo - e isso, às vezes, dói. Porque dói saber o potencial da própria utilidade. Porque dói saber que, mesmo que eu queira ser, não serei porque não quero - nunca haverei de querer sê-lo. Esse é o meu destino, meu inexorável destino: a calma da pátina ampliando o horizonte que há dentro de uma gota de orvalho. Não esses dias que se acotovelam, brigando por um espaço que, ao final das contas, não importará: a soma será igual a zero. Igual a nada. Igual a pó. Já passa uma hora e meia do meu expediente e eu, munido de uma passageira determinação, tento dissecar as minhas ambigüidades para poder amalgamá-las e encontrar um norte magnético para o qual eu possa me dirigir sem a dúvida do que há nos outros pólos, e sem o gosto de tensão que reside no freio que está na boca de um cavalo que quer distribuir coices. Haja saco, cara... Haja saco para suportar este mundinho meia-boca, essa gentinha faladeira. Às vezes encarno na terceira pessoa e fico me vendo diante desse computador o dia inteiro, com os disparates mais falaciosos e irrelevantes que uma boca pode cagar invadindo meus tímpanos sem que eu possa fazer nada além do esforço de/para ignorar e/ou abstrair. "Rafael lendo o e-mail de uma pessoa que já se gabou por estar cursando o Ensino Superior; Rafael com os olhos cravados nas trezentas vírgulas para um parágrafo mínimo; Rafael com os pelos da nuca eriçados ao ler a palavra 'seguimento'"". Blá, blá, blá, blá... Eternamente. Chafurdado nesse vórtice de merda espessa. Eternamente.

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 04/10/2012
Código do texto: T3916332
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