Muros Altos
Acontece de tudo nesta cidade, em São Paulo, no interior dos dois estados, em Floripa, Torres, em Fortaleza, etc. E infelizmente muita coisa ruim. E, claro, pouca coisa boa. Ou vai ver que só o que é ruim é noticiado. Afinal, é através desse tipo de notícia, ou através do sensacionalismo, que a mídia se fortalece e maiores índices de audiência são alcançados. Dando-se a inevitável e sempre desejável consequência financeira. Isto é, lucram os canais de TV, as emissoras de rádio e os principais jornais.
Alguns casos chamam a atenção. Embora seja comum a nossa sensação de impotência. Como prever o estupro de uma criança, uma saidinha de banco que acabe com a morte da vítima, um crime passional que ocorra no lar dos envolvidos, um ato terrorista como o da escola de Realengo, no Rio, em que várias crianças perderam a vida, etc.?
Mas há ocorrências em que se delineia pelo menos a suspeição de que o mal pudesse ser evitado. Talvez fosse o caso desse menino do Colégio São Bento (CSB), no Rio de Janeiro, “uma das mais respeitadas instituições de ensino da cidade”. A queda dessa criança de 12 anos do quinto andar do citado colégio ainda está envolta em mistério.
Especula-se se o garoto foi jogado ou se foi um ato voluntário. Preferindo referir-se à queda como “de alta gravidade”, o colégio não fornece maiores informações. E não o faz, segundo a direção do estabelecimento, a pedido da família do aluno. Que também até agora não se posicionou de forma mais definida. Segundo depoimentos de amigos, “a família do estudante teria fortes ligações com o CSB – a mãe do garoto seria uma das professoras da escola”. Ou estaria impedida de fazer maiores comentários por trabalhar para a escola e contar eventualmente com a gratuidade para os estudos do seu filho? Sabe-se que não é qualquer um que pode pagar um São Bento.
O garoto permanece internado em estado muito grave no Hospital Souza Aguiar. Um hospital público, em princípio de utilização mais freqüente por pessoas de baixa renda. O que contrasta com o alunado do Colégio São Bento, constituído por alunos pertencentes em sua maioria à classe média ou daí para cima. Menores carentes não são alunos do São Bento. Não poderiam pagá-lo.
A versão que se refere à queda voluntária do garoto, isto é, uma possível tentativa de suicídio, vai ganhando mais consistência. Lemos nos jornais que um funcionário da escola “afirmou ter visto a criança pendurada no parapeito. Ao se aproximar para ver o que estava acontecendo, o menino teria soltado as mãos e caído”. E lemos também que inspetores do CSB afirmaram que “o menino vivia isolado. Que não descia para o recreio com as outras crianças, preferindo ficar no corredor, ao lado dos funcionários, lendo um livro”. Tais informações se coadunam com comentários no Twitter segundo os quais o aluno estaria sendo vítima de “bullying” ou “repetidas agressões psicológicas na escola”.
A prevalecer essa tese, não é nenhum absurdo imaginarmos que o colégio deva ser responsabilizado por esse acontecimento. O “bullying” dentro da escola pode ao menos ser prevenido. Talvez possa ser também reprimido. Sobretudo quando se trata de uma instituição, das mais antigas do Rio, administrada por monges beneditinos, que prima “pela disciplina e pela boa formação de seus professores”. Será que os monges mais antigos, os professores ou funcionários mais idosos não sabem o que é um “pele”? “Pele” – designação hoje fora de uso – era como se chamava uma criança, um adolescente ou mesmo um adulto objeto de chacotas e depreciações de toda espécie por parte do grupo em que se incluía. E que acabavam por marginalizar a pessoa nesse convívio extremamente nocivo.
Nada impede que a direção do colégio puna exemplarmente com suspensão e mesmo expulsão, depois de amplo entendimento nesse sentido com professores, pais de alunos e funcionários, os estudantes que comprovadamente promovam agressões psicológicas ou físicas contra alguns de seus colegas. A divulgação dessa postura por toda a escola e a determinação expressa do seu cumprimento, a cargo de professores, monitores e demais funcionários, certamente iriam inibir em grande parte quaisquer tentativas de “bullying”. Dentro do estabelecimento de ensino e em suas imediações.
O cumprimento dessa determinação implicaria numa vigilância, ainda que discreta, dos estudantes por parte do corpo docente e administrativo do colégio. Dentro das escolas, pelo menos, os “peles” deveriam ser protegidos. Já que em quartéis, internatos e prisões isso beiraria o inviável.
Ocorre que em estabelecimentos de ensino fundamental trabalha-se com menores. E, na escola, menores devem ser conduzidos no sentido de adquirirem um preparo acadêmico e moral capaz de possibilitar a formação de um adulto, que se não for completa, ao menos chegue perto disso. E não, na presunção de que já sejam adultos, possam ser capazes de em todas as situações tomarem conta de si. O que acontece com os menores de rua, que, enfrentando vicissitudes diárias, cada vez mais drásticas em função do abandono, acabam queimando etapas e passam rapidamente à idade adulta. Por não haver ninguém, muito menos a sociedade, que responda pelos seus atos.
Trata-se, portanto, de um dramático “acidente” com grandes chances de que pudesse ter sido evitado.
Rio, 04/10/2012