MALDADE E GRATIDÃO.

Uma hora e trinta minutos da tarde. Inicia-se audiência de retomada de um cômodo de um sobrado velho no Rio de Janeiro na Vara Cível onde se processava.

O juiz, presentes as partes, indaga se há possibilidade de acordo, como determina a lei. De um lado uma poderosa corporação detentora de milhares de imóveis no Rio frutos de doação, é em princípio entidade filantrópica, de outro uma paupérrima senhora na casa dos oitenta anos.

Diz a senhora que não tem como pagar o aumento do aluguel (locativo) que lhe vem sendo pedido e que é sozinha, não tem para onde ir. Queria acabar naquele lugar seus dias.

Indaga o juiz aos representantes da proprietária se não há como diminuir o pleito. Respondem que não, dois advogados.

Tratava-se de uma miséria, como mais cinquenta reais hoje, em nossos dias, o aumento do aluguel.

De novo o juiz questiona rogando compreensão, era uma senhora sem posse alguma e sozinha. Novamente a recusa.

Diz a senhora: não tenho parentes para onde ir, meu dinheiro de uma pobre pensão de meu marido dá somente para comprar umas verduras e pão com que faço uma sopa de noite e pela manhã tomo café, não como mais nada.

O juiz já impaciente apela novamente e ressalta a situação da ocupante do modestíssimo imóvel, que era impositiva a compreensão sendo a autora da ação uma conhecida proprietária de imóveis e a suplicada seria posta na rua. E ele teria que assinar uma sentença dessa ordem, já que havia direito para o proprietário.

De novo a recusa. Disse o juiz: vou lavrar o acordo na base pretendida para a majoração. Disse para a senhora e para os advogados: o aluguel será pago em cartório mensalmente e não mais na administradora, eu pagarei do meu bolso.

Surpresos os advogados retrucaram: não excelência, assim não, vamos levar o acontecido para a proprietária e voltamos após com uma resposta.

Dias após surge em despachos o consentimento com o módico aumento suportado pela pobre senhora, que foi homologado.

Dias depois o escrivão diz no gabinete do juiz que aquela senhora queria falar com ele. Lógico, disse ele. Ela entrou. Doutor trouxe para o senhor uma lembrancinha, desculpe por não poder trazer algo melhor, o senhor sabe que não posso, mas sou imensamente grata pelo que fez. Vou rezar sempre pelo senhor.

Era um pequeno pote de barro como se fosse uma caldeira. Trazia nele a gratidão...e estava escrito: Nossa Senhora Aparecida. Sempre a Virgem nos meus caminhos.

Tenho até hoje guardado comigo, um dos maiores presentes que já ganhei.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 04/10/2012
Reeditado em 05/10/2012
Código do texto: T3915414
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