A PERSEGUIDA DA MADRUGADA
Quando você tem vontade e se empenha em realizar ou conquistar alguma coisa, nada se justificará, como sendo empecilho, para se chegar ao objetivo almejado, e em conseguindo você entra em êxtase estremo, atingido pelo orgasmo.
Às vezes extrapolamos as coisas e deliramos em sonhos quase reais.
Eu quis um carro e consegui. Era lindo da cor prata e o mantinha sempre protegido de qualquer arranhão ou encostada. Tinha ciúme quando alguém se chegava perto dele ou se algum inseto resolvesse pousar em sua lataria. Só não dormia com ele porque a cama era pequena demais para nós dois.
No começo, quando parti para meus namoros, fazia tudo fora do carro só para não maculá-lo ou danificá-lo, mas com o tempo fui adquirindo coragem, mais confiança, e já então conseguia namorar dentro dele.
Uma madrugada estava eu e minha namorada passando à limpo as últimas cenas do nosso encontro antes do beijo final, quando... Pelo retrovisor eu vejo assustado que se aproximava doidona, parecendo bêbada, uma linda camioneta verde. Eu acho que foi paixão à primeira vista daquela vadia para com o meu carro. Ela veio com tudo para cima dele.
Meu carro estava quieto protegendo o meu namoro quando a vagabunda verde chegou, e como quem não quer nada, deu uma balançada de traseiro abalroando todo o lado direito. Meu carro gritou de dor, minha namorada evadiu-se do local, e a camioneta verde, feito uma vadia teve ainda a petulância de dizer ao meu carro:
- Olá tesão da cor da prata! Vamos dar um racha pelas ruas?
Meu carro, ainda se contorcendo de dor responde furioso.
- Sua filha de uma puta, veja o que você fez com a minha lateral!
A vadia verde, não tomando conhecimento, deu mais uma esfregadinha no meu carro saindo, então, em desembalada corrida rua além.
Isto foi à conta.
Meu carro, inconformado com o estado em que ficou, chacoalha-se todo, solta uns peidos pelo motor, e raivosamente vomita a ordem para mim
- Vamos atrás desta rampeira verde! Vou comer o rabo dela!
Não tive nem como dizer não, pois ele ligou o controle automático e saiu num rompante atrás da camioneta.
Estava assim, medrosamente só, no bojo deste carro embrutecido.
A madrugada descia gelada cuspindo sereno por todos os lados. A quietude só era quebrada pelo ladrar da cachorrada e dos mios em êxtase de gatas em gozo. Aves noturnas, molhadas, respingavam gotículas, no arfar de suas asas, ao cruzar o céu. Tudo era paz, menos na rua que assistia, em frenesi, meu carro em perseguição querendo comer o rabo da camioneta.
Mais adiante, a maldita perseguida verde rebolava rindo feito uma estouvada, cagando fumaça pelo cano de escape. Meu carro vomitando raiva patinava os pneus feito um touro bravo.
Depois de algum tempo, conseguimos ultrapassá-la numa lombada, mas a rampeira verde aproveitou a situação, e veio para cima de meu carro; Quase houve penetração nos amasso da lataria. Depois de forunfar ela fugiu novamente.
Meu carro já estava parecendo o que restava de uma competição de batidas de carros. Em lastimável estado.
Mas continuamos a corrida atrás da vadia verde.
A perseguição foi por ruas, vielas e becos até desembocar numa alameda sem iluminação. A vagabunda parou e nos metralhou tiros através dos quatro integrantes mau encarados, drogados, que estavam dentro dela.
Gritei para meu carro parar, e ele já com a lataria perfurada, resolveu me obedecer. Já era tarde, pois a diaba verde se encontrava por cima e os quatro maus elementos, de pistolas e cassetetes em punho gritavam feito uns capetas:
- Vamos foder com este carro, vamos pisotear e botar fogo nele!
Os caras tiraram a camioneta verde de cima e começaram a descarregar a arma no meu carro. Sentia já o sangue escorrendo por todo o meu corpo. Estava definitivamente fodido e moribundo.
Meu carro estava desmaiado ou morto, nem sei, e eu preso, sangrando,entregando a alma, entre os amassados, tentava ainda rezar para algum deus de plantão para me livrar desta terrível situação.
O pior veio a seguir; Eles começaram a despejar gasolina por cima de meu carro e de mim, pegaram uma caixa de fósforos, sacaram um palito. Agora é o fim, apavorado eu pensei. E quando aquele maldito pedacinho de pau aceso iniciou a viagem em minha direção, ainda tive forças para urinar na calça, e com o calor da urina, acordei com a cama toda molhada.
Levantei, troquei o lençol, tomei um banho e fui dar uma conferida no meu caro que continuava lindo e impecável na garagem.