Renato Russo já sabia

   Há dezesseis anos, quando Renato Russo partiu desse mundo, a juventude se sentiu órfã. Eu, que não era tão mais jovem assim, também fiquei muito pesarosa.
   Lembro-me bem do dia de sua morte. Eu trabalhava com jovens do Ensino Médio e no colégio havia uma rádio que, durante o recreio dos alunos, transmitia informações referentes às atividades esportivas e culturais da escola, mas principalmente tocava as músicas de sucesso da época. Naquele dia só tocou Legião Urbana, e era comovente ver os alunos cantando todas as músicas, alguns com lágrimas nos olhos, tristes, desolados. Foi uma comoção geral.
   Renato Russo foi um ícone da música pop no Brasil. Com seu jeito irreverente, desengonçado e debochado, na verdade, era um homem muito inteligente, culto e politizado. Tendo morado nos Estados Unidos durante um período, dominava muito bem o inglês. Também foi um ávido consumidor de literatura, naturalmente de onde vinha sua aguçada visão de mundo.
   Não se pode negar que passou por problemas existenciais, que teve envolvimento com drogas e que sua bissexualidade assumida o levou à consequências dramáticas - foi contaminado com o vírus HIV em um de seus relacionamentos. Entretanto, sua criatividade e desempenho como artista também eram inegáveis.
   A banda Legião Urbana, da qual Renato era líder e vocalista, emplacou inúmeros sucessos na década de 1980, quando o rock nacional fervilhava, revelando muitas outras bandas e artistas que ainda hoje fazem parte do cenário musical. Juntamente com os Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Kid Abelha, RPM, Lulu Santos e outros, a Legião arrastava milhares de fãs aos shows e batia recordes na vendagem de discos. Talvez tenha sido a principal banda da chamada geração Coca-Cola, pois mesmo depois de mais de quinze anos da morte de Renato e a consequente dissolução da banda, ainda conquista muitos fãs e continua a vender muitos CD’s.
   Mas o que me levou hoje a escrever sobre Renato e sua Legião? Em primeiro lugar, porque agora em 11 de outubro estará completando dezesseis anos de sua morte. É uma maneira de prestar-lhe uma homenagem. Em segundo lugar, por causa das situações que temos assistido acontecer em nosso país.
   Existem muitas canções compostas por Renato e seus parceiros, Marcelo Bonfá e Dado Vila Lobos, que se tornaram clássicos do rock. Aqui podemos citar: “Há tempos”, “ Pais e Filhos”, “Será”, “ Meninos e meninas”. Porém, nenhuma canção é tão significativa politicamente quanto “Que país é esse”.
    Essa canção foi composta por Renato em 1987, quando ele ainda nem integrava a Legião (mais tarde foi incluída em um dos álbuns da banda), e o Brasil passava por um momento político importante. Estávamos saindo da Ditadura e ensaiando entrar na Democracia. Era um período de transição. Havia dois anos que um presidente civil tinha sido eleito por um colegiado, depois de duas décadas de governo militar. Mas o povo queria ele mesmo eleger seu presidente e demais representantes. Desde anos anteriores a sociedade civil se organizava para alcançar esse objetivo e o movimento Diretas Já foi o maior símbolo dessa organização. Um dos momentos históricos desse movimento foi em 25 de janeiro de 1984, quando mais de 40 mil pessoas se reuniram na Praça da Sé, em São Paulo, com faixas, gritando palavras de ordem, cantando o Hino Nacional. No palanque encontravam-se políticos, sindicalistas, artistas, intelectuais e em uníssono com o povo diziam: “Abaixo o Regime Militar”, “O povo unido jamais será vencido”, “Queremos votar para presidente”, e muitas outras frases.
   Dois anos de governo civil e o país vivia o caos: inflação galopante, pacotes econômicos ineficazes, troca de moeda, falcatruas nos bastidores, dança das cadeiras nos mais altos escalões, escândalos, falência de Bancos, desvio de riquezas e de divisas, etc. E, foi aí que nasceu a música “Que país é esse”. Renato Russo, que nessa época morava em Brasília, indignado com tudo o que via acontecendo, teve a inspiração e “gritou” para o país inteiro ouvir.
   Acredito que, visionário como era, Renato Russo já sabia que sua canção estaria atual mesmo que se passasse um quarto de século. Quase nada mudou, mesmo que tenhamos conseguido eleições diretas a partir de 1989. Hoje vivemos “Cachoeiras” de escândalos, continuam as falcatruas, a dança das cadeiras, o desvio de riquezas e de divisas, a falência de Bancos, o superfaturamento de obras, etc. Estamos sempre às voltas com CPI’s que, na maioria das vezes, acabam em nada, ou melhor, em pizza, e o Brasil segue deitado em berço esplêndido.
   O que nos resta? Cantar. Cantar muito, a plenos pulmões para que, pelo menos, a gente desabafe como desabafou o Trovador Solitário.
 
                              “Nas favelas, no senado
                              Sujeira pra todo lado
                              Ninguém respeita a constituição
                              Mas todos acreditam
                              No futuro da nação
 
                              Que país é esse?
                              Que país é esse?
                              Que país é esse?...”
 
    
     
 
 

 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Jorgenete Pereira Coelho
Enviado por Jorgenete Pereira Coelho em 03/10/2012
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