Em busca do menino
Como tenho escrito coisa séria! Estou precisando urgentemente escrever sobre nada muito importante. Tento me lembrar um pouco do menino que eu era, e das coisas que me ocupavam naquela época. A minha infância tinha gosto de suco de limão. Limão ou guaraná. Sempre fui meio inocente, e naquele tempo era ainda mais. Um dia eu escrevi um bilhete para Deus. Não queria nenhuma resposta específica, mas apenas que ele assinasse um papel. Isso, na minha cabeça, provavelmente comprovaria a sua existência. E eu escrevi e deixei o bilhete na gaveta da minha escrivaninha, certo de que Deus não teria problemas para encontrá-lo.
Fui para a escola e quando voltei fui atrás do papel com o meu pedido. Estava lá, no mesmo lugar e, para a minha surpresa, sem a assinatura de Deus. Não lembro como interpretei isso. Ora, quem sabe Deus não havia encontrado uma caneta? A gente nunca encontra uma caneta quando precisa, você já reparou? O que sei é que, caso Deus houvesse realmente assinado, eu não faria nenhum alarde, não chamaria a imprensa, nem mesmo os meus pais, apenas ficaria muito satisfeito e confiante na vida.
Curiosamente, a ingenuidade que, nesse caso, me impediu de ver a assinatura de Deus era realmente o caminho mais fácil para encontrá-lo. Mas disso eu só fui saber anos mais tarde, quando já havia perdido boa parte dela, e por isso ainda agora me debato procurando o caminho de volta. Até por volta dos dez anos de idade, eu nunca havia me preocupado em entender como os bebês vinham ao mundo. Eles vinham, e isso era tudo. Tinha um amigo dois anos mais experiente, e um dia ele tentou me explicar como funcionava isso. Disse que, pra nascer alguém, era preciso que os pais das pessoas transassem.
Honestamente, foi a primeira vez que eu ouvi essa expressão. Aparentemente, meu amigo também não estava muito seguro do que dizia. Ele havia tido um irmãozinho há pouco tempo, mas não tinha certeza de que os seus pais realmente haviam transado para que ele nascesse. "Só sei que nasceu", me dizia. Mais tarde peguei um dicionário e fui procurar o que significava transar e, como é de se imaginar, continuei sem saber, pois o Aurélio não parece ser a melhor fonte sobre esse tipo de assunto.
Naquele tempo, eu gostava de uma vizinha rica - e digo que gostava apesar de ser rica. E talvez nem fosse tão rica assim. Criança exagera. Ela tinha um irmão pequeno, e um dia esse irmão ficou sabendo por mim mesmo que eu gostava dela, e foi correndo contar - na verdade, era isso mesmo o que eu queria. Fiquei acompanhando ao longe, e pude ver ainda a expressão de espanto com que ouviu. Nos dias que se seguiram, eu evitei passar perto da sua casa, e só passei enquanto olhava disfarçadamente para o outro lado da rua, com medo de encontrá-la.
E eu não sei por quê, não era minha intenção quando comecei a escrever, mas isso aqui se tornou uma busca por episódios inocentes da minha infância. Haveria outros tantos mais, mas no fundo são todos iguais. Eu estou agora trabalhando, numa sala vazia. Um dia já esteve cheia, mas as pessoas foram encontrando novas coisas para fazer. Daqui onde estou não consigo olhar pra fora. Penso, penso uma porção de coisas. Desejo outras tantas. Tenho problemas também. E imagino que a solução para todas eles deve passar por aquele mesmo menino.