EXISTIR
Existo quando notado; se não me notam, existo apenas para mim. Parece não fazer sentido ser ignorado. Preciso que saibam da minha existência, a fim de não me tornar um nada. Necessito expressar o que há de melhor em mim. Se confessar meus pecados, poderei ser mal visto, interpretado como parte da reles, mesmo quando conhecemos o ditado “os perfeitos estão no céu”. Então me empolgo, blasono tanto as minhas qualidades quanto as que gostariam de possuir. Assim como nos versos do Poema em Linha Reta, de Fernando Pessoa: “Toda a gente que eu conheço e que fala comigo / Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, / Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...”.
Se não posso dizer quem sou e se falo o que sou, há controvérsias. Afinal, quem eu sou? O que sou? Talvez o medo de não ser aquilo que os outros acham que somos, ou deveria ser, causa tamanha confusão na mente humana. O reconhecimento é à base da autoafirmação. Para tê-lo, precisa-se de conquistar espaço, físico ou mental, para que as outras pessoas possam ver e dar o valor que se pretende. Quanto maior o espaço adquirido, mais notado será. Ser “príncipe” é obter um espaço invejável, ato de eternizar-se. Daí o dispendioso esforço do homem para mostrar-se a si e aos outros que existe. Assim somos forçados a extrapolar limites, expondo-nos a situações complicadas e desconfortáveis. Se esse reconhecer for registrado no tempo-memória, tende à eternidade; caso contrário, à efemeridade. Buda, Alexandre, Jesus Cristo, Sócrates, Van Gog, Beethoven e tantos outros morreram, no entanto, continuam existindo.
A vida humana tem curta duração, tendo como consequência a impaciência, a precipitação e a mediocridade. Isso leva muita gente, às vezes, a revelar com ênfase as virtudes e negar os defeitos. Esse dilema é muito bem retratado por Fernando Pessoa nos seus versos ainda do seu Poema em Linha Reta, que soa como eco em nossas almas: “Quem me dera ouvir de alguém a voz humana/ Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; / Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! / Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. / Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? / Ó príncipes, meus irmãos / Arre, estou farto de semideuses! / Onde é que há gente no mundo? / Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”. Veja que os versos clamam, não só por sinceridade, mas também pela vontade que temos de mostrar nossa existência perante aos demais. Desta forma caminhamos no tempo.