<> A VIÚVA <>
Ela se vestiu de luto fechado e tomou um táxi.
-Cemitério do Bonfim, chispa!
No portão principal pediu ao taxista que aguardasse.
-Vai demorar madama?
-Uns cinco minutinhos.
Nem ela estava entendendo aquela súbita vontade de visitar o túmulo do marido falecido há nove anos num acidente em que morreu ele e a amante. Lourdinha ficara viúva muito nova e era, com todo respeito, "um doce". Tanto que já no velório, mãos desconhecidas e "bondosas" já lhe estendiam lenços solidários.
O caso da amante, ela só ficou sabendo dez dias depois da tragédia, e ficaria em segredo, não fosse uma vizinha linguaruda.
No dia do enterro, o Padre (que também desconhecia os fatos) fez um belo sermão exaltando as qualidades do marido “exemplar”. Quando o caixão estava para ser baixado à sepultura, foi patético ver a viúva atracada ao defunto, e na sua dor alucinada, não queria deixá-lo partir. Em seu desatino, dizia coisas desconexas, tipo: - "se uma viúva amou seu marido, um segundo matrimônio é adultério".
Mas descoberto o caso da amante, conforme ela mesmo dizia, ele "morreu de novo". Ela jurou nunca mais visitá-lo. Mas o tempo passou e arrefeceu os ressentimentos de Loudinha. E lá estava ela, nove anos depois, procurando o jazigo do marido.
Achou: Quinzinho (* 25-09-64 +14-07-94). Mas ao contrário do que ela imaginou, a sepultura estava "um brinco", uma das mais bem cuidadas do cemitério. E Com um detalhe curioso: três imensas corbeilles de flores ornavam a lápide. Então ela, intrigada, se curvou e leu as dedicatórias:
Primeira: -ao Quinzinho com todo o meu amor. Parabéns.
Segunda:- amor, um dia estaremos juntos eternamente.
Terceira:- meu amor é para além da vida. Beijos.
Lourdinha teve vontade de "matá-lo".
Fugiu dali apavorava e se atirou dentro do taxi com uma expressão de ódio. O taxista ainda perguntou se estava tudo bem. Sem resposta.
Na volta, a única palavra que ela trincava entre os dentes era:
-CANALHA!!! CANALHA !!!