Cuidar de Gente ou de Planta?
Com as mãos sujas de terra preta, arranhada pelos espinhos de uma grande roseira, ela passa o braço da testa pra limpar o suor que lhe escorre pelo rosto naquele fim de tarde quente, enquanto sua paixão botânica é exercida como forma de aliviar as tensões de uma pesada semana de trabalho.
As costas doem no afã de arrastar um imenso vaso com uma exuberante clusia. Os dedos estão cortados com unhas cheias de terra depois de arrancar ervas daninhas de entre as pedras que forram o canteiro. Os aguapés e alfaces d’agua, que foram dizimados pra limpar o tanque, deixaram-lhe um cheiro esquisito nas mãos.
Luta ao arrancar galhos secos de um florido jasmineiro que lhe corta os dedos já lanhados. De repente um bando de percevejo cai sobre ela com seu cheiro horrível e ela se afasta pra tirá-los dos braços, da blusa e se sente imunda, suada, arranhada. Como custa ter um jardim... e olha que é só um canteiro e vasos espalhados.
Já disse alguém que se quisermos ter jardim, não devemos fazer canteiro pra ervas daninhas e Exupery falou que quem cultiva rosas, deve se acostumar com espinhos. Nunca algo foi tão literal quanto nessa tarde de faxina de jardim.
Ela se sente, toma um suco e olha desolada pras unhas sempre tão cuidadas e que nesse momento... e se pega pensando quão difícil é essa arte. Rapidamente o pensamento voa, e surge na sua mente as recentes leituras e seu interesse por alma, emoções.
Cuidar de almas, emoções parece se assemelhar a isso.
Uma pessoa ferida requer faxina na lama. Vem com dores que precisam ser tratadas, ervas daninhas que precisam ser extirpadas, espinhos que furam quem se aproxima delas pra cuidar. Há solo que precisa ser revolvido, terra empobrecida que precisa de adubo, podas que, num primeiro momento ela nem suporta...
Num primeiro momento, o jardineiro olha pra aquilo e mesmo crendo que há um jardim embaixo daquele mato, mesmo crendo que aquele solo pode produzir floradas lindas, se sente impotente porque sabe o que precisa remover, se lhe for permitido, se lhe derem chaves de cadeados para adentrar aquele jardim agora tão desfigurado que no momento só é adivinhado, está só no coração de quem quer vê-lo. Sim, esse jardim tem trancas.
Haverá muito suor pra trazer à luz o que de belo está sob os escombros agora.
Será necessário esquecer o mau-cheiro que exalará em alguns momentos, ver a sujeiras e se alegra antevendo a beleza que está sob aquilo tudo. Não só as costas doerão, mas o corpo todo na luta pra ver uma pessoa inteira emergir dali.
Não creio que seja mais fácil até porque as plantas não choram , não entram em depressão, nem fogem do consultório, ao se deparar com podas e tratamentos agressivos.
Um jardineiro se assemelha a um tratador de almas e emoções, seja qual for o nome que lhe atribuam.