Desde fins de julho recusei-me postar textos no Recanto das Letras por não admitir para mim mesmo rotular o que escrevo como sendo seguro, moderado ou restrito. Continuo, porém, lendo os textos postados pelos recantistas e os comento vez por outra sem me importar qual classificação apresentem. Na verdade nem atino nisso. Leio por conhecer o autor ou pelo título que de alguma forma chama a minha atenção.
         Quando classifico um texto meu como “moderado ou restrito” penso nele como a água suja da roupa lavada, da louça, do talher usado, do banho e da higiene da casa que passa pelo ralo e vai à procura do esgoto que recolhe o que não presta.
         Já um texto “seguro” é como uma água filtrada. O filtro purifica o texto e detém toda a sujeira. A água-texto passa por ele e resulta cristalina e bela, útil para o alimento, benéfica para a saúde.
         Assim sendo, aqueles que como eu gostam de tudo, aceitam tudo, experimentam tudo (literáriamente falando, é claro) são como um ralo. Não selecionam nem filtram. A administração achou por bem que não é conveniente “beber a água” que passou por um ralo. E tem toda razão. Daí o filtro imposto aos colaboradores do Recanto das Letras. O leitor pode “beber tranquilo a água” que passou pelo filtro. Penso que foi com esse intuito a adoção do

“seguro/moderado/restrito”.

Sabiamente entenderam que entre nós e o  ralo há uma diferença que causa enorme prejuízo: a água suja que passa pelo ralo vai para o esgoto, enquanto que as coisas sujas que escrevemos ficam dentro de nós e definem o nosso modo de ser, traduzem a nossa personalidade. Portanto se alguém considera publicável qualquer texto este um é o ralo em pleno e voraz funcionamento.
         Não se pode mesmo gostar de tudo, aceitar tudo, experimentar tudo.  Apenas ler passivamente sem resistir, sem reagir. Para onde vai tudo isso? Fica dentro de nós. E como o Recanto das Letras é parte da sociedade, a sociedade acaba sendo o esgoto que recebe todo esse produto. E apodrece, deteriora-se com ele. O Recanto das Letras é soma das pessoas que escrevem. Quando as pessoas são lixo, a sociedade transformada por elas se transforma num grande esgoto. Mas quando as pessoas são filtro, a sociedade aprimora-se com elas e adquire um patamar de salubridade.
         Até recentemente eu pensava que em nós, a inteligência é o filtro. Permite discernir e escolher. Separar o que não presta. Aceitar o que é bom. Julgava-me suficientemente criterioso para saber o que pôr no prato para comer-ler e desprezar para o lixo o que deveria ser levado ao monturo. Deixei de ter esse trabalho. O Recanto das Letras faz isso agora por mim.
         Permitam-me porém dizer que um site literário instalado nesses moldes é como uma escola meticulosamente organizada para produzir mediocridades. É incompatível com os sábios, artistas, filósofos, cientistas, santos. Apesar de não me enquadrar em nenhuma dessas categorias (falo sério, sou sincero) deixei de postar no RL e se hoje volto a fazê-lo é para reafirmar que classifico-me como ralo e não como filtro. Teve um outro, há dois mil anos, que por opção se tornou o ralo da humanidade, assumindo todas as nossas misérias. Na minha pobreza intelectual-espiritual ouso me aproximar dEle.
         Não me queiram mal por entender que o “seguro/moderado/restrito” conduz e induz ao rastejamento. É imagem da sociedade instalada que pensa ser mais fácil pisar em quem rasteja do que enfrentar quem está em pé.
         Educar a inteligência, caríssimos, é ser dono da própria vontade e torná-la instrumento de decisão...