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Nascer.

Vejo tudo com outros olhos. O quarto me parece uma imensidão. Papai e mamãe também são muito grandes, claro, quando comparados com a minha pessoa. Eu sou uma pequena criança lançada no berço e que há pouco tempo atrás me encontrava na plenitude de um estado em que nada doía, nada me faltava. Eu me bastava.

Aqui fora tudo me é um pouco inconveniente. Tenho fome, choro. Tenho sede, choro. Tenho medo, choro. Quero chorar... bem, aí eu choro pra valer, sem pudor. Sempre preciso de alguém, de alguma coisa que é externa. Esta dualidade entre eu e o mundo não existia antes. Este mundo que tem o poder de me machucar, agredir. Volto a dizer, antes eu me bastava. Era desnecessário chorar, ter medo, ter fome ou sede.

A ausência deste sentimento de plenitude, é isto que melhor define minha situação pretérita, a plenitude, faz com que eu esteja a procurar algo que possa preencher o vazio que ficou. Mas onde encontro um substitutivo à altura? Na religião, que liga todos os espíritos numa grande irmandade? Na política, onde as utopias também desempenham este papel de unir as pessoas em prol de uma promessa futura de vida em harmonia? Não sei!

Quanta coisa uma criança com a minha tenra idade pode pensar, deves estar se perguntando. Eu sequer sei falar e me arisco na filosofia. É que, como estou no meu sono da tarde, elevo minha força intelectual à enésima potência. Quando acordar nem me lembrarei do que estou agora a comentar. Ainda bem que você, amigo leitor, guardará na sua memória esta conversa informal e, quem sabe, quando eu for maior, poderás me contar os detalhes desta minha divagação.

Agora me responda: você superou ou conseguiu substituir este sentimento de plenitude, acima referido? Conte-me, por favor, para que eu possa ter uma expectativa de vida mais agradável. Tudo me parece muito desvantajoso aqui fora. Em troca te falarei, em outras oportunidades, a respeito de diversos temas que me são caros. Claro, você me ajudará na resolução dos dilemas existenciais, porque os amigos somam os bens e dividem os males, não é assim? Pelo menos ouvi meu pai dizê-lo.

Desculpe minha insistência: você superou este estigma de nascer, de se dividir e de perder o sentimento de plenitude? Aquele estado de coisas onde ninguém lhe era preciso? Conte-me, por favor...