A resposta

Sinceramente, até que tentei me diferenciar dos demais. Sempre me cobraram isso, desde a infância. Sou filho de um professor e pesquisador renomado. Isso fez com que minha figura paterna sempre tenha sido exigente comigo, pois achava que eu poderia ir mais longe que ele. Mas não sei se por infelicidade do destino ou acaso, não herdei os genes brilhantes do meu pai. Sou um comum, um medíocre. Tem quem ache pejorativo eu me considerar medíocre. Quem acha isso não sabe seu significado – sou somente mais um como qualquer outro na multidão.

Estudei nos melhores institutos, me inseri em grandes confrarias intelectuais. Mas não adianta, não sirvo para isso. Nunca me perguntaram realmente se era isso que eu queria. Por ser muito cobrado desde a infância acabei desenvolvendo minha auto-inferioridade. Em decorrência disto lá pelos quinze anos resolvi me juntar aos meus. Andava com os esquecidos e renegados, jogava fliperama e fumava escondido. Taxaram-nos de “perdedores”, aqueles que não chegariam a lugar algum.

Não teria eu então nenhuma qualidade a destacar? Sim, claro que tenho Sou fiel a meus companheiros, bom ouvinte, e acabei desenvolvendo o gosto pela cozinha. Na verdade, este era o lugar da cozinha onde eu mais me sentia a vontade em casa. Quando não estava no meu quarto estudando, ou na biblioteca da minha casa por imposição de meu pai, lá estava eu. Gostava das conversas que tinha com nosso cozinheiro – o Gedeon. Ele era filho de pais religiosos, que deram a ele este nome bíblico, do qual ele não se orgulhava nem um pouco. Acho que me afeiçoara tanto a ele pelo fato dele ser tão menos brilhante quanto eu.

Aprendi a cozinhar, sempre escondido. No início eram coisas simples, apenas sobremesas. Mas Gedeon sempre me disse que tinha uma boa mão para cozinhar. Acabei me aperfeiçoando e ficando cada vez melhor na cozinha. Infelizmente isto nunca foi apreciado por meu pai. Quando terminei o ensino médio, meu pai queria que eu entrasse na universidade, esta disposto até mesmo a bancar meus estudo no exterior. Não quis os planos deles, e esperei completar dezoito anos para decidir os meus rumos. Sai de casa contra sua vontade e fui trabalhar de auxiliar de cozinha em um restaurante popular em Curitiba.

Quando isso aconteceu, meu pai disse que não iria mais me considerar filho seu. Disse que isso não era uma atitude digna de honrar o nome da família. Minha mãe não se opôs a minha vontade, na verdade ela não me apoiava, mas também não interferia. Depois disso, sai de casa e meu pai se recusara a me receber. Minha mãe veio a falecer pouco tempo depois, e fui proibido até mesmo de participar de seu cortejo fúnebre.

O tempo foi passando, nunca mais falei com meu velho. Acabei mudando de emprego, me especializando na cozinha, até surgir a oportunidade de abrir meu próprio negócio. Acabei tendo um bom resultado, e meu restaurante especializado em aperitivos tem nome de destaque na cidade.

Estou contando hoje esta história, pois recebi uma reserva de um grupo de pessoas. Segundo o que me informaram, será uma reunião de um importante grupo de pesquisadores. Quando fui investigar, descobri que o grupo é encabeçado pelo Doutor Rui, ou seja, meu próprio pai. Não sei como irei reagir, na verdade não quero impressioná-lo, nunca quis isto na infância, e não será agora que precisarei fazê-lo.

Chega o grande dia. Não atenderei pessoalmente o grupo, prefiro gerenciar as coisas da cozinha. A noite vai passando, e apesar de ansioso, tudo decorre normalmente.

- Seu Lucius, aquele grupo de senhores solicita sua presença. Querem parabeniza-lo pelo seu trabalho.

Agora meu coração quase saiu pela boca. Será que me pai depois de tantos anos irá reconhecer meu trabalho? Chego e me aproximo:

- Parabéns meu jovem, você executa um belo trabalho, continue assim!

- Obrigado, se precisarem de algo, estarei na cozinha para atende-los. Peço licença e me retiro.

Meu pai nem ao menos olhou em minha cara. Será que não me reconheceu. Olhei para ele de frente, e ele não esboçou nenhuma reação. Ainda assim, fiquei feliz de ver que mesmo de idade avançada, ele continua com boas condições de saúde.

O tempo passou, e recebo uma carta alguns meses depois em meu restaurante:

“Meu filho, não tive coragem de encará-lo naquela noite. Eu mesmo marquei a reunião no seu restaurante, para ver como estão indo as coisas. Quero que saiba que estou muito orgulhoso de todo esforço que realizou até aqui, sem ajuda de ninguém. De que adianta tantos títulos, tanto estudo se não se faz o que realmente se gosta? Você seguiu o coração, sua vocação. Espero que um dia me perdoe. Com afeto, seu velho e desconhecido pai, Rui.”

Procurei entrar em contato com o mensageiro que me enviou a carta. Precisava encontrar pessoalmente meu pai. Quando consegui um contato que me lavaria até ele, recebi a resposta:

- Seu Rui acabou se matando um tiro na cabeça semana passada. Estava inquieto e depressivo fazia mais de seis meses. Fora cremado e suas cinzas jogadas no lago da universidade. Pediu para que entregassem a você aquela carta, e só foi novamente encontrado dois dias depois morto em seu escritório.

Minha boca secou, não sabia mais o que pensar. Agora só me resta compensar de alguma forma. Com meu filho. A gente erra muitas vezes, mas a beleza das coisas é que podemos tentar concertá-las a cada nova geração. A resposta está nos filhos, nos descendentes, e principalmente no amor.

Cachorro Magro
Enviado por Cachorro Magro em 30/09/2012
Reeditado em 30/09/2012
Código do texto: T3908840
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