Coração Partido

Ter um coração partido é ficar sem reação diante da pergunta: Você é solteiro ou comprometido? Você fica sem resposta. Tenho o coração partido. Casado com a dor. Tudo é dor. Uma dor profunda, insistente e chata. Não existe nenhum conforto. Toda a situação é um ninho de gravetos pontudos. Sua dor é um livro que todos leram incansavelmente. Sua tristeza é figurinha repetida. Todos fogem da sua tristeza. Até você fugiria se houvesse alguma escapatória.

Então por um tempo trata a dor como se a desconhecesse apesar de ser sua amiga intima. Passa a abafar a dor. Empurra ela para dentro do peito com muita dificuldade como se fosse uma mala de viagem abarrotada que precisa ser fechada.

A vida fica sem emoção. O tom é cinza. Você tem que dobrar a coluna para esconder o coração. Já encolheu dois centímetros. Você não diz nada novo ou velho. Não tem novidades ou animo para fabricar alguma noticia. Existem cadáveres mais animados do que você. Toda manha escova os dentes no corredor entre o banheiro e o quarto para não ter que encarar seus olhos no espelho. Quer andar de óculos escuros para esconder o olhar.

Depois de um tempo a vontade de chorar passa, mas o olhar de bicho ferido fica. Não existe expressão de inteligência, de raiva, de medo, de sedução. Você aprende a fazer constantemente a cara de tela azul do Windows. Aprende a atravessar as pessoas com o olhar sem lhes dizer nada. Nada mais importa.

Você quer dormir para evitar pensar no sofrimento. Não importa se está sol ou chuva. Se a loteria está acumulada. Se aquele filme novo que você estava esperando estreou. Se sua companhia de teatro preferida está na cidade. Se tem sorvete de sobremesa. Nem que o sorvete seja Häagen-Dazs. Nascimentos, casamentos e obituários lhe provoca a mesma sensação de indiferença.

A única opinião masculina que conta é a do atendente da locadora. Que lhe ajuda a escolher um filme que possa lhe animar, mas que não seja romântico o suficiente para lhe deprimir. Viver se torna uma obrigação dos dias. Não é prazer, satisfação ou aventura. É obrigação. Inclusive você se sente obrigado a tomar alguma atitude. Mas a vontade é de não fazer nada.

Você se sente cercado pela dor. Não pode voltar, mas não tem futuro certo. Pensa seriamente em consultar um cardiologista. Tem vontade de tirar o que restou do coração de dentro do peito. Mas o nada supera essa vontade.

Depois de um tempo você se acostuma com a dor. Ela fica mais obediente. Consegue retirar toda a parte a purulenta. E passa a tratá-la como um sofá manchado ou um buraco na parede. Não é bonito ou certo. Porém não lhe incomoda mais. Faz parte da paisagem.

Débora Ramos
Enviado por Débora Ramos em 30/09/2012
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