VEJAM QUEM VEIO PARA O JANTAR

Repentino guincho assustado, esvoaçar de asas ansiosas, o tropeçar inesperado na porta da cozinha, no teto e, finalmente, na parte de trás da TV, então a queda ruidosa sobre os fios plugados. Resultado: um morcego desorientado havia penetrada em meu apartamento através da janela aberta da cozinha. Foi um verdadeiro assombro, claro, tivemos realmente grande susto quando aquele ser esvoaçante despencou daquela forma abrupta em nossa sala de estar. Minha mulher, a princípio, pensava se tratar de um pássaro noturno desgovernado, afirmando isso com toda convicção, achava-se certa do que dizia. Mas, desde sempre eu cheguei à conclusão de que aquela visita de surpresa, à noite, por volta das vinte e duas horas, era sem dúvida um morcego. Estávamos, então, numa desconcertante enrascada.

Permanecemos alguns minutos estatelados, inertes, como a esperar que tudo não tivesse passado somente de um devaneio qualquer, quiçá um pesadelo brutal. Nem precisávamos nos beliscar para perceber o quanto esse raciocínio, ou até mesmo essa esperança, estava errada. Não era sonho nem pesadelo, o bicho estava parado, em silêncio, sem mexer nem um músculo, aguardando não sei o quê. Talvez nossa reação, a presença dum predador nas proximidades, um inimigo natural que o tivesse visto? Não sabíamos nem tínhamos como saber. Aproximei-me cauteloso para constatar de que ave mesmo se tratava o nosso visitante, as mãos protegendo o rosto, só os olhos de fora, pé ante pé e sem chegar muito perto. Imaginem se o morcego resolvesse sair em voo disparado na minha direção, cego como ele é! Nem pensar! O coração pulando sem controle, ansioso e despreparado ante o acontecimento nada agradável, vislumbrei a figura horrorosa e enojante de um morcego. Sim, era um morcego mesmo conforme eu havia dito.

De cor negra, patinhas finas, o corpo desengonçado, o focinho escondido de algum modo inconcebível, o morcego aterrissara sobre a tomada do DVD que estava jogada atrás da nossa TV de plasma. Tomando conhecimento da identidade da indesejável visita, minha esposa emitiu um "oh!" de desalento e surpresa. "Como vamos tirar esse bicho daqui?", perguntou-me. Eu não sabia, juro que não tinha a menor ideia a respeito. Então, raciocinando sem chegar a nenhuma conclusão, quedei-me a observar o morcego tentando planejar como tirá-lo de nossa sala, esperando um milagre, pensando em chamar os bombeiros, pedindo ajuda às minhas orações. Afinal de contas, por favor, morcegos nunca foram minha especialidade, jamais soube qual a melhor maneira de chegar perto de um, de pegá-lo, capturá-lo até, muito menos de expulsá-lo de meu apartamento num momento tão inoportuno.

Ao longe, minha esposa suplicava pela solução mais rápida do problema, eu completamente desnorteado, o bicho agourento lá, impassível, a noite seguindo seu curso e o impasse tomando proporções alarmantes. Não podíamos ir dormir deixando o morcego lá, de um jeito ou de outro ele deveria ser levado embora o mais urgente possível. Mas, como? "Mata ele, pega ele, enxota ele, faz alguma coisa!", implorava minha amada lá distante de mim e do morcego. Eu ficava calado, sem ter nem o que dizer nem o que fazer, apenas os olhos fixos no morcego ali deitado a poucos passos de mim. Súbito, me veio um insight, impulsionado pelo que adiantei-me devagarinho até a porta de acesso ao apartamento e, com calma, abri-a de par em par, suspirando de ânsia para dar certo a estratégia de deixá-la aberta, o morcego sentisse isso por alguma razão que não sei explicar e saísse voando espontaneamente de nosso apartamento, para nosso alívio.

Não deu certo, infelizmente, ele nem se apercebeu dos meus movimentos nem da porta aberta. E agora? Meu cérebro borbulhava procurando alternativas: matá-lo (como?), pegá-lo usando uma luva (e se ele me mordesse mesmo assim?), gritar mandando-o embora de meu apartamento (quanta infantilidade!)? Senti-me igual aos ratinhos da estória infantil que pretendiam colocar um guinzo no gato para avisá-los da aproximação dele quando estivessem descontraídos: quem se arriscaria a por o guinzo no gato? No caso do morcego, eu é que não iria ficar perto dele por nada desse mundo.

Joguei, afinal, minha última cartada: pedi à minha esposa para trazer-me uma vassoura enquanto eu continuaria de olho no morcego para acompanhar sua possível fuga do lugar onde estava. Desesperada, trêmula, ela correu a atender-me, trouxe o objeto pedido e afastou-se correndo. Segurando a vassoura com uma mão, com a outra fui puxando lentamente o móvel onde se encontrava a TV, pouco a pouco afastando-o do morcego e conseguindo espaço para agir. Por sorte, o mau agouro não se mexeu. A porta permanecia aberta, bem perto do pretenso esconderijo do visitante indesejado. Fiz alguns cálculos, medi a distância, lancei vários olhares decisivos para essa mensuração, pensei, repensei, refleti, tornei a calcular e, sem mais nem menos, meti a vassoura no morcego (não para matá-lo, apenas com o intuito de jogá-lo na direção da porta e, de lá, repetir o gesto para fazê-lo sair). Abrindo as asas numa reação tosca, o morcego procurou voar, não logrou, deu um salto e foi cair pertinho da saída, corri ao seu encontro brandindo a vassoura e ele, como a pressentir-me, pulou para fora do apartamento saltitando desajeitado, dando-me oportunidade de fechar apressadamente a porta. Não sem antes vê-lo alojar-se ao lado do elevador todo agitado e sem compreender o que se passava. Pois é, apesar de todo o sufoco, no final tudo deu certo, não precisei chamar os bombeiros nem matar o morcego, e terminei me livrando dele depois dessa confusão e desse barraco infernal, ufa!

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 30/09/2012
Código do texto: T3908297
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