Não é feitiçaria, é tecnologia
O que seria de nós sem a tecnologia? Para onde quer que olhemos, lá está ela, ajudando, modificando, instruindo, otimizando nossa vida. Já adianto que não sou contra o advento da tecnologia, até porque este texto só pôde ser publicado graças a ela. O que me preocupa é até onde a utilização da tecnologia pode substituir nossas relações sociais. Atualmente, um “feliz aniversário” não é mais dado pessoalmente e sim pelo Orkut, um convite de casamento é enviado por email, as reuniões são marcadas por SMS e acontecem através de videoconferência no Skype.
Temo pelo futuro. Imagine o seguinte: o “futebol de quinta-feira” do escritório, a pelada da turma da faculdade, a disputa de bairro X bairro, substituída por uma partida de Pro Evolution Soccer online no Playstation 3. Cada jogador conectado ao seu videogame em sua própria casa, nada de churrasco pós partida, de discussão regada a cerveja, de esticada até o bar da esquina!
Pior ainda é pensar na quantidade de personagens únicos que perderíamos. Pra começar, não teríamos o organizador da peleja, aquele que sai chamando os jogadores, faz lista de presença, aluga a quadra, liga um dia antes pra confirmar o pessoal, faz o rateio do dinheiro.
Também ficaríamos sem o famoso “camisa 10″ da turma. Aquele que chega meia hora antes pra se aquecer, traz uma bolsa da Nike lotada de equipamento esportivo, veste chuteira de última geração, caneleira, meião, uniforme completo, de preferência a camisa da Seleção escrita Ronaldinho Gaúcho atrás. Em campo, o cara olha para um lado e toca para o outro, errado; arrisca chute de três dedos e manda pra lateral, botando a culpa no piso da quadra; cobra falta, escanteio, tudo errado, mas em momento nenhum perde a pose de craque, de maestro do time. O que dizer então do “capitão” do time? Aquele cara que só dá ordem: “marca”, “corre lá”, “passou”, “chuta”, mas não toca na bola. Joga pra reclamar dos outros, critica até o time adversário.
Deixaríamos ainda de contar com uma figura que tem em toda pelada: o cara que jogou no horário anterior e fica pra assistir a próxima partida. Ele está lá, sentado na arquibancada, sem conhecer ninguém, mas com seu olhar pidão, de cachorro em porta de açougue. Alguém então repara em sua existência, perguntando se não quer jogar. Ele olha pros lados, pergunta se é com ele mesmo, se os times já não estão completos, tudo isso já entrando em quadra, quase pedindo a bola.
E que falta faria todo o talento de um dos craques presente em nosso “contra”: o “Gerson”. Tal qual o canhotinha de ouro da Seleção de 70, sua especialidade é o lançamento. Quase todos errados, mas ele nunca se cansa de tentar. É facilmente identificável, pois normalmente joga com uma cerveja na mão, já que seu posicionamento plantado favorece a bebedeira, escolhendo um setor do campo pra chamar de seu e ali permanece a partida inteira. Espanta pela habilidade, não com a bola nos pés, mas sim com a latinha nas mãos, não deixando cair uma gota de breja o jogo todo.
Por fim, não contaríamos mais com a presença do inigualável “churrasqueiro”, aquele que joga, não importando a posição, nem mesmo o time. Sua escalação é obrigatória pois, depois da partida, ele é quem comandará a grelha, distribuindo o melhor corte da maminha e da picanha, pra alegria da moçada.
É essa alegria que não pode ser substituída pela tecnologia. A sátira é ficcional, mas a preocupação é verdadeira. Que cada vez mais saibamos integrar a modernidade com o nosso conhecimento, sempre com bom senso, diminuindo assim o isolamento digital que teima querer crescer nos meios sociais humanos.