O CANCIONEIRO POPULAR
A música sempre fez parte de minha vida. Desde os tempos da
Cruzada Eucarística, dos tempos de coroinha da Igreja Matriz,
gostava de cantar as músicas sacras. E, sem qualquer ranço de autoelogio
sou afinado. Mais tarde, já no Colégio Arquidiocesano, em São
Paulo, participava do coral, regido pelo Irmão Marista Ático Rubini, de
tão saudosa lembrança. Era ele um ótimo regente, e participar de seu
coral, exigia boa dose de predicados musicais.
A música me traz grandes recordações. Entre os anos de 1945 e
1950, meu irmão Sebastião estudou no Colégio Nossa Senhora
Auxiliadora, em Campinas, em regime de internato. Só vinha para
casa nas férias. Ele, também, tinha boa voz. Gostava de músicas
italianas, as belas canções napolitanas, no tempo em que
despontavam os tenores, Beniamino Gigli, Carlo Butti, Tito Schippa,
Gino Becchi, Mario Lanza e muitos outros. Escuto, ainda, sua voz
cantando...”mamma son tanto felice, per che ritorno da te...”,
naqueles pós almoços domingueiros, quando toda família se reunia.
E, quando estava ele em vias de voltar para o internato, nos fins de
férias, nossa alegria se misturava com a tristeza, em virtude de sua
próxima ausência, que perdurava por longos meses. Esse meu irmão
era especial. Tenho muita saudade dele, sempre carinhoso, alegre e
sua morte inesperada, foi muito sentida.
Vem em minha memória, o tempo em que dividia meu quarto com o
irmão caçula Roberto, também já falecido. Não dormíamos sem
escutar o programa do Moraes Sarmento, pela Rádio Bandeirantes.
Famoso o abraço que ele enviava aos ouvintes, imitando o som das
batidas nas costas. E, a frase, ao informar a hora certa...”relógio que
atrasa não adianta”. Nessas ocasiões, ouvíamos músicas brasileiras
de todos os gêneros e os mais variados cantores. Essa, uma das
razões de ter eu memorizado uma quantidade enorme de canções da
MPB, principalmente, as conhecidas, pelo óbvio, por músicas de “dor
de cotovelo”. São as minhas preferidas. As que se originaram da
briga do casal Herivelton Martins e Dalva de Oliveira, tais como
Orgulho (Tu me mandaste embora eu irei, mas comigo também
levarei, o orgulho de não mais voltar..), Camisola do dia (Amor, eu
me lembro ainda, era linda muito linda...) e muitas outras, são
lindíssimas.
Porém, o grande compositor da época, sem dúvida, foi Lupicínio
Rodrigues, gaucho, autor de músicas inesquecíveis. Podem reparar,
as letras das suas canções, são verdadeiras obras primas. Costumo
dizer, que suas composições são crônicas musicadas.
“...o remorso talvez seja a causa
do seu desespero...”;
“Ela disse-me assim, tenha
pena de mim, vai
embora...”,
na voz de Jamelão, e
“...saudade, diga a essa moça por favor,
como foi sincero o meu amor,
quanto eu a adorei tempos atrás...”,
com Joana, numa gravação muito bonita, são páginas de um passado
nostálgico, quando, não vou dizer que o mundo era melhor, mas
havia mais pureza, menos violência, e a vida, plena de felicidade. Era
um mundo gostoso de se viver. A gente dava mais valor a tudo.
Pequenas coisas nos atraiam e se transformavam em prazer.
Como foi muito boa, também, a época em que fazíamos serestas
memoráveis, no Bar Esporte, no início dos anos 60, com o Bonfim no
violão. Ia até tarde da noite. E, muitas vezes, na sede do Panelinha,
no antigo Balderi, com o Rivo Borelli, cantor profissional, velho amigo
nosso, crooner da orquestra de Osmar Milani, cantando “Creio em
ti”...
Para terminar, fechem os olhos e ouçam Lupicínio,
“Eu gostei tanto, tanto
quando me contaram,
Que lhe encontraram
bebendo e chorando
Na porta de um bar...”
Ou, então, Silvio Caldas com
“Não falem dessa mulher perto de mim
Não falem p’ra não lembrar a minha dor...”.