MULHER É BICHO COMPLICADO...

Tudo começou com a mesa da sala. Compramos uma mesa branca na Tok & Stok, que ela escolheu. Essa mesa começou a descascar. Fomos trocá-la, depois de muito trabalho, de uma péssima assistência da garantia.

- Vê essa (disse eu): é bonita, é de madeira de verdade.

- Será mesmo madeira, amor?

- Bem, se não for, é madeira em tese, porque não há quem diga...

- Gostei dela. Vamos trocar.

Tocamos. Recebemos. Montamos.

No começo, tudo bem. Mas, do nada, ela falou:

- Essa mesa... Não sei não...

- Que foi?

- Nada...

Um dia, enquanto a gente jantava:

- Essas cadeiras são desconfortáveis... Estão empenando...

- Não estão. Veja só: estão normais.

- Então tá...

Sábado à noite, tomávamos um chopinho na varanda, e ela, do nada, mudou de conversa e, com cara de desprezo, olhou lá pra dentro e resmungou:

- Eu odeio essa mesa. Quando a gente se mudar, ela não vai de jeito nenhum!

- Eu gosto dela.

- Eu detesto.

Nunca esqueci aquela cara de desgosto. Profunda, sincera, atravessada. Coitada da mesa!

Um dia, chego do trabalho e ela fala:

- Mô, a geladeira quebrou. Tá aqui o orçamento: quase o preço de uma nova!

- Vamos comprar outra. É o jeito!

Dia seguinte, fomos à loja.

- Mô, veja essa: toda inox, preço bom, tem até um filtro na porta. Vê o congelador: uma fabriquinha de gelo pra você fazer seu cuba-libre...

- Ok. É bacana mesmo. Vamos levar.

Depois de uns meses, entro na cozinha e ela está olhando pra geladeira, fixa, pensativa, braços cruzados, mão no queixo.

Sussurrou, lastimou baixinho:

- Tem um amasso aqui... Acho que ela ficou muito perto da pia.

- Depois se ajeita...

- Ficará como original?

- Acho que sim.

- Tudo bem (disse isso vagamente, e deu de ombros).

Na semana seguinte, ela me chama:

- Mô, vem ver uma coisa...

- O quê?

- Os cantinhos estão enferrujando...

- Ôxe, e não era inox?

Ela passou as unhas pelas brechas, catou uma lasquinha de ferrugem quase invisível, esfregou-a nas pontas dos dedos e fez aquela mesmíssima cara, aquela expressão medonha que já começava a me apavorar.

- Melhor, na mudança, trocar ela também... Tô começando a...

- Nem pense... Avimaria, muita despesa!

- Tá bem. Mas, se der... Vou juntar uma grana...

Depois, num domingo à tarde, deitei-me na rede da varanda, abri um livro e afundei na leitura. De repente, olho pra esquerda e ela está no sofá, comendo tangerina e me olhando fixamente. Descascava a tangerina sem nem olhar pra ela. E me olhava, paralisada, atenta, arrancando a casca da fruta, mastigando os gomos me-ca-ni-ca-men-te. Tremi dos pés à cabeça. Perguntei:

- Que foi?

Ela sorriu, mandou um beijinho e disse:

- Tá na vidinha que pediu a Deus, hein, amorzinho...

- Ufa!...

- Como?

- Nada não...

Mais crônicas: http://pablodecarvalho1.blogspot.com.br/