O escudo de Medusa
Jorge Linhaça
 
Uma das vertentes da história de Perseu, atesta que após decapitar a medusa, aquela que transformava todos que a olhavam em pedra, a cabeça da monstruosa criatura passou a fazer parte de seu escudo.
 
Os poderes de medusa representavam a capacidade de imobilizar perenemente os seus adversários.
Agregar a face da górgona ao escudo, uma arma de defesa e ataque, era pois a representação de proteger a si mesmo a partir da capacidade de tornar inertes os adversário.
 
Em épocas, como a atual, em que as ideiologias substituiram os ideáis e tornaram-se apenas uma desculpa para a busca incessante pelo poder sobre os adversários, o híbrido escudo parece haver sido ressuscitado no que diz respeito aos seus presumidos efeitos.
 
Muito se fala em mobilização social para alcançar objetivos, no entanto a falta de mobilidade social, qual seja a capacidade de alcançar-se outras classes mais elevadas, ainda atinge boa parte da população brasileira.
 
É bem verdade que no quesito poder aquisitivo o quadro tem sofrido uma sensível melhoria, no entanto, ter mais dinheiro é insufuciente para transpor as fronteiras mais subliminares das classes sociais.
Já dizia o preceito bíblico " Nem só de pão vive o homem..." e o grupo "Titãs" em sua música "comida" já alertava..." a gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte".
 
Na verdade o caminho para a mudança real de "status quo" não passa apenas e nem necessariamente pelo aspecto meramente econômico. É preciso que as condições econômicas "melhorzinhas" sejam acompanhadas de educação e cultura.
 
Não basta ter dinheiro e gastar em baladas bens de consumo, é preciso que o indivíduo invista no próprio indivíduo, buscando caminhos que lhe permitam ampliar sua visão do mundo.
Não basta tirar a população das favelas,é preciso, acima de tudo, retirar a favela de dentro das pessoas. E isso é uma luta individual, depende de cada um permitir que a miséria seja tirada de dentro de si.
 
Uma pessoa rica e despreparada é como aquele cidadão que ganha milhõres na loteria e ao fim de dois ou três anos não tem mais nada.
 
A "nova classe média" tupiniquim sofre exatamente desse mal, o deslumbre das facilidades de crédito e/ou o aumento do poder aquisitivo, disparam um gatilho adormecido de adquirir bens desde sempre desejados e raramente alcançáveis.Aquela graninha a mais, via de regra é destinada a lojas de departamentos ou concessionárias, se for mais curtinha, ao carrinho mais cheio do supermercado.
 
Ainda não criamos a cultura de investir primeiro na formação do indivíduo e cidadão.
 
De certa maneira podemos traçar uma paralelo com a prática comum no período pós-abulição, quando os trabalhadores recebiam pela sua força de trabalho mas eram obrigados a gastar nos armazéns mantidos pelos donos das fazendas com preços sempre acima do justo, o que os tornava eternos devedores e impossibilitava sua saída do sistema.
 
O anseio do eterno endividamento, do consumo desenfreado, impede o homem de investir em educação, profissionalização ou especialização quando recebe um dinheirinho a mais. A educação raramente é priorizada como um bem a ser adquirido.Ironicamente é o único bem que não podem nos tirar e que nos permite abrir a mente e os olhos à realidade das relações sociais.
 
A tal luta de classes, coisa bem fora de moda, ainda sobrevive, infelizmente, na mente de alguns sequiosos por manter sua condição de privilegiados, e por outros, sequiosos de obter privilégios.
 
O escudo de medusa é utilizado nessas pendengas com um grupo procurando imobilizar os seus pseudo-oponentes. Ao fim ao cabo, nenhum deles está interessado no progresso da população como um todo, como na obra " A revolução dos Bichos" e como diria Gonzagão..." Olha que isto aqui tá muito bom, isto aqui tá bom demais, olha quem ta fora quer entrar, mas quem tá dentro não sai"...Não importa quem chegue ao poder , uma vez lá, agarram-se a ele com unhas e dentes,chutando para baixo aqueles que por acaso se agarrem à corda da escalada.
 
Fico imaginando uma nação onde os partidos políticos disputassem as eleições naturalmente mas que não desprezassem as boas idéias de seus adversários políticos. Onde obras e programas não ficassem paralizados porque foram iniciadas pelo partido rival.
 
A solução para acabar com a maldição da Medusa é educar e conscientizar a população de que quem paga a conta pelas más administrações somos nós e que torcer para que tudo dê errado ( seja em que esfera for) é torcer contra nós mesmos.
 
Há, portanto, um longo caminho a ser percorrido até que nossa infante e claudicante democracia atinja a sua maturidade, até que as pessoas entendam que quanto melhor, melhor para todos.
É preciso que quem governe, governe para todos e não para uma única parcela da população.
 
É preciso que os governantes e parte da população deixem de lado os medos e os revanchismos políticos.
 
Estamos todos no mesmo barco e torcer para que ele afunde a fim de trocar o timoneiro é uma insensatez sem igual. Só o tempo e recursos usados para remendar o barco poderiam ser melhor aplicados para o bem comum.
 
Claro que as mudanças são necessárias e saudáveis, mas é preciso manter o que funciona e melhorar ao invés de estagnar e deixar deteriorar.
 
É preciso não inventar moda e não tirar das mãos competentes a reponsabilidade por obras cujo knowhow foi construído ao longo dos anos e entregá-los a aventureiros sem experiência, como tem sido feito em várias privatizações/ concessões ou seja lá que nome lhe queiram dar.
 
Precisamoss fugir da condição de estátuas de pedra, imóveis e vendo a vida passar, precisamos ser co-participes da história e não apenas meros observadores.
 
Salvador, 28 de setembro de 2012.
rt