HOMEM NO ESPELHO
O livro tinha 32 capítulos. Acabara de ler o 31 e quase chorou quando viu a primeira página do 32. Estava emocionado. De verdade. O livro era Fé na Estrada, de Dodô Azevedo. Um livro de viagem que homenageia Jack Kerouac e seu On The Road. Um livro sobre os Estados Unidos, nação mãe de boa parte de nossas consciências. Achou que devia esperar um momento especial para ler o último capítulo. Não era um livro irrepreensível – muito pelo contrário. Mas era um dos que mais o haviam tocado. Ao me falar sobre o livro, não quis entrar em muitos detalhes. Disse que muito do que é relatado nele o identificava. Numa das passagens, o autor conversa com seu “dobro” no espelho. Ele, o autor, nunca havia feito isso antes. No entanto, isso é algo que meu amigo faz desde pequeno, em determinadas ocasiões. Da adolescência pra cá faz de tempos em tempos, depois de ter usado álcool ou maconha. E sempre que conversa com o homem misteriosos do espelho ele se espanta com sua inteligência e vivacidade. Então ele me falou: “Se aquele é o ‘verdadeiro’ eu, posso dizer que sou uma pessoa espantosa”. Ele não tinha certeza, mas lhe parecia mesmo é que existem vários eus, do mais sério ao mais leve e irônico. Recentemente – sem álcool ou maconha – olhou-se no espelho do banheiro – me contou. Estava num momento bem humorado. Ao urinar, avaliou, como qualquer homem normal, o tamanho do seu pênis, que, claro, julga pequeno. Então, lembrou-se de que, quando visto no espelho, ele, o pênis, parece bem maior. E assim fez: olhou no espelho e lá estava um pênis belíssimo, de tamanho aceitável. Sentenciou com alegria: “Acho que o espelho me aceita”. Ainda que estivesse ciente de que a relação com o espelho não é, nunca, algo fácil, por maior que seja o nível de aceitação.