O CONTADOR DE CARNEIRINHO.
Por Carlos Sena
Por Carlos Sena
O povo do interior tem uma mania de dizer, quando perde o sono: “passei a noite toda contando carneirinho”... Certa noite, pegado pela insônia, imaginei que pudesse contar carneirinho pra ver se o sono me escolhia ou, já que ele tinha se perdido, me dava uma chance de encontra-lo por ali debaixo do criado mudo, atrás da cama ou debaixo do tapete. O problema é que eu não tinha certeza do que seria “contar carneirinho”! Fiquei matutando sobre o que seria contar carneirinhos se ali eu só via lagartixa, muriçoca, mosquitos, baratas tontas. Puxei pela memória pra ver se recuperava o que seria, de fato, “contar carneirinhos”, mas nada. Sabe que mais, pensei. Vou contar o que eu vir por aqui nessa noite fria. A noite, além de fria, não tinha no céu sequer uma estrela que eu pudesse, da janela apreciar. Talvez contar. Uma ideia: contar estrelas, mas como conta-las se não tinha como vê-las! Decidi voltar a minha edícula – meu quarto era como uma edícula no fundo do quintal. Em sua volta havia arvores diversas: mangueiras, laranjeiras, mamoeiros, etc. Vou contar goiabas, pensei. Mas, como se não havia goiabas pra serem contadas. Finalmente, deito-me e fito o teto. Teto de casa de interior em sua maioria é apenas a telha rustica e os caibros. Nada de foro, nem de coberta. Ah! Tive uma ideia: diante de não ter o que contar, nem saber por onde andam os carneirinhos, vou contar as telhas e os caibros e tudo mais que entre eles estiver. Comecei de baixo pra cima contando os caibros. Quando estava no meio deles, perdi a conta. Retornei a contagem agora de cima pra baixo. No finzinho da contagem, eis que a janela dá um baque e eu me assusto e, de novo perdi a conta. Já sei, disse comigo mesmo. Vou arrumar um papel e lápis para anotar a contagem. Decidi começar pelas telhas. Umas já velhas quebradas que mais pareciam duas, mas comecei conta-las. Em determinado momento, me acordo assustado e não anotei até onde eu tinha contado as telhas. Em todo caso, estava feliz com o pequeno cochilo. Então novamente pensei: será que eu encontrei os carneirinhos? Prossegui contando as telhas. No meio da contagem uma ratazana dá um raspão por entre as telhas e os caibros e eu levei um baita susto. Mas segui a contagem. Peguei o embalo e já estava feliz porque ia terminar a contagem do telhado para entrar nos caibros...
De repente, o sol na minha cara. Dou um salto da cama assustado. Eram oito horas da manhã e a cidadezinha já estava toda viva. A lufa-lufa das pessoas nas calçadas e eu ali me acordando. Corro, coloco a farda da escola e me mando pra lá sem o café da manhã. Na hora do recreio eu chamei um colega que certo dia eu o ouvira contando essa história de carneirinho pra dormir. Contei-lhe minha odisseia e ele me assegurou que contando as telhas e os caibros eu estava CONTANDO CARNEIRINHOS. Logo, posso agora garantir: eu passei a noite toda contando carneirinho sem saber que eram carneirinhos... Agora, sabendo do que se trata, não quero nunca mais essa coisa sem graça de contar carneirinho pra o sono aparecer. Prefiro botar um anuncio no jornal pedindo pra quem achar meu sonho perdido me devolver; ou gritar pra vizinhança me ajudar encontra-lo. Mas se pra ele me chegar eu tiver que contar carneirinhos, sei que vou virar tetéu de bananeira, quero dizer, acordado emendando a noite com o dia.