Um galo com cara de fantasma

A morte sempre me fascinou por suas inúmeras possibilidades e incalculáveis mistérios. O morrer faz parte do nosso dia a dia, mas, mesmo assim, me assusta a todo momento.

A história que vou lhes contar é velha, já foi dita por milhares de contadores de causos, porém nem todos os detalhes foram devidamente revelados.

Meu bisavô era um velho muito esquecido, por isso, acredito que nem tudo que ele contou foi dito com fidelidade.

Contam que ele morava em uma fazenda às margens do Rio das Mortes, um rio profundo e de águas bravias. Sua mulher era uma criatura religiosa, mas de pouca instrução, dizem as más-línguas que ela mal sabia ler.

Os dois, lá naquele fim de terra, na quietude do tempo que teimava em não passar, pareciam viverem um para o outro, até porque seus filhos já haviam saído para outros mundos, já tinham deixado para trás aquela vida de campo. Eles pensavam que conheciam perfeitamente os defeitos e qualidades um do outro e que nada poderia assustá-los. Dona Catarina (era assim que meu avô a chamava), vivia encucada com a morte, estava sempre indagando para o marido o que seria dele quando ela faltasse. Ele na sua grandiosidade estava sempre a dizer que quem morreria primeiro seria ele. Assim ela não teria porque se preocupar com a fatalidade. Mas ela que sempre fora mais doente, não cansava de dizer que seria a primeira a partir. Essa conversa era algo que se repetia quase todos os dias quando eles estavam na varanda para o descanso.

Meu bisavô era um tremendo gozador. Falava pra minha bisavó que a morte sempre avisa que está chegando, que não era para ela ficar preocupada, pois o ultimato era sempre definido. Contava que na maioria das vezes ela chegava em forma de bicho. Dizia que, quando a pessoa estava para morrer, aparecia uma galinha preta por perto da casa. Minha bisavó ria dessas bobagens, falava que ele estava ficando doido. Parecia não acreditar em nada.

Certo dia sem ter o que fazer, Geraldo o meu bisavô, resolveu pregar uma peça em minha pobre bisavó. Feito moleque pegou um galo preto, daqueles bem grandes, arrancou-lhe as penas do peito e o prendeu em uma árvore que ficava defronte do alpendre. Amarrou o galináceo de forma que com alguns solavancos pudesse fugir. E foi o que aconteceu.

Os dois estavam sentados na varanda, quando sem mais nem menos, o dito cujo apareceu na trilha que vinha do mato desgovernado, vinha capengando de uma perna, parecia um monstro que acabara de sair da cova. As asas meio que abertas davam a sensação de que aquilo era um bicho pré-histórico. Meu bisavô, vendo que sua maldade estava para acontecer, saiu de cena como se nada houvesse visto. Foi para detrás da porta da sala, ficou curiando pelo buraco da fechadura para ver a reação da companheira. Quando ela avistou aquela figura esdrúxula, com as asas arrastando pelo chão, ficou apavorada e quanto mais o bicho aproximava mais ela tremia. Quando o danado já estava para entrar no alpendre ela, no susto, ficou na ponta dos pés, olhou para os lados e em voz baixa gaguejou para o depenado:

__ Ele está ali, logo atrás daquela porta, pode levá-lo.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 23/02/2007
Reeditado em 10/10/2017
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