PELOS "TUFÕES" DA LITERATURA, DO CINEMA E DA TELEDRAMATURGIA

Na verdade minha pretensão aqui é fazer um breve "link" do pensamento passeando pelas três formas de expressão artísticas: a literatura, o cinema e a teledramarturgia, para tentar explicitar uma sensação algo deveras paradoxal que muito me inquieta.

Recentemente vimos que a literatura infantil de Monteiro Lobato foi à berlinda das opiniões dos educadores e das associações que lutam contra a tragédia do racismo, por ter sido imputada à tal obra indícios de agressão à raça negra, mais precisamente na obra AS CAÇADAS DE PEDRINHO, aonde alguns diálogos referentes à "carne negra da Tia Nastácia", conforme citado numa reportagem, foram considerados injuriosos, por conseguinte, segundo os educadores especializados, e por ser obra que pertence à grade curricular literária do ensino fundamental, poderia subliminarmente fazer apologia cultural ao racismo já na infância.

Aqui não entro no mérito desse assunto tão delicado e polêmico que foi parar nos tribunais da Suprema Corte e que movimentou opiniões de vários setores das ciências humanas, bem como do atual estado da educação no geral, até da propria habilitação dos mais jovens professsores para interpretar as obras de literatura.

Agora é a vez do filme o URSNHO TED, aonde um político, o deputado federal Protógenes Queiroz , lutará pela reclassificação de idade da obra, de dezesseis para dezoito anos, porque a considerou uma apologia ao uso de droga já que, segundo ele pois não assisti o filme, o ursinho TED se droga com seu amigo numa das cenas discorridas.

De fato, se tal cena procede, é no mínimo bastante infeliz, a despeito de qualquer nobre mensagem que possa estar embutida subliminarmente na cena, A DEPENDER DA INTERPRETAÇÃO de quem analisa o que lê ou o que vê.

Agora chegarei aonde eu pretendia: e as telenovelas dos nossos horários nobres, classificadas já para crianças a partir de doze anos, como por exemplo a atual, fantástica, idolatrada , tão audiente e agregante social ,quiçá bem inofensiva aos nossos atuais usos e costumes já tão distorcidos, a telenovela AVENIDA BRASIL?

Mas por que ninguém fala nada dela?

Aliás, falar que a obra apelou demais a ultrapassar qualquer limite do bom senso ético e artístico ou mesmo do compromisso social que toda obra culturalmente aceita como "para as massas" tem que ter, e acreditar que um pré- adolescente de doze anos talvez não esteja plenamente preparado para elaborar todas as mensagens danosas e as demais agressões institucionais que lá são vistas como virtudes, ah, isso decerto que seria quase um sacrilégio de interpretação de quem a assiste!

Quase um ser fora do mundo pensaria que avenida Brasil errou na dose para ser jogada nos lares brasileiros às nove horas da noite, a despeito dos controles remotos existentes, como se os pais tivessem total controle sobre os filhotes tão avançados deste século vinte e um.

Eu poderia até ser linchada se ousasse aqui afirmar que a novela choca até um adulto estruturalmente já bem formado, aqui sem absolutamente qualquer indício de falsa moralidade, não cairia eu nesse ridículo.

Não que ali não se encontre a realidade cênica dos fatos em sociedade, é claro que o retrato é fidedigno, vinganças, inveja, intrigas, ambições, disputas e traições fazem parte deste nosso e de todos os demais mundos, de qualquer núcleo social da vida humana desde que o Homem é Homem, todavia, aqui me refiro aos desmedidos exageros teledramatúrgicos chocantes, desmoralizantes, sem compromisso com nada e sem crivo algum, que tão silenciosamente fere o contingente do público mais jovem ainda em formação, apenas para se arrastar pelo IBOPE AFORA uma trama autolimitada ao já tão repetitivo submundo humano das nossas tantas "avenidas brasis" que todos tão bem já conhecemos.

E ninguém diz absolutamente nada, porque hoje , acreditem, já é chique por demais ser Carminha -já é um sucesso tipo sonho de consumo!"-mas ainda é muito lamentável ser Tufão, embora poucos admitam.

E quantos inocentes Tufões que sequer soprariam suas decepções aos quatro ventos da vida...

Ressalto que o tema das impressionantes "maldades e baixarias" embutidas no enredo da maioria dos personagens da novela AVENIDA BRASIL recentemente foi foco duma discussão por parte de especialistas em comportamento, psicólogos e antropólogos, que numa reportagem dum caderno de cultura do jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, lá discutiam o porquê do tamanho gosto popular pela violência e pela maldade.

Eu penso que nem Freud explicaria suas razões frente a tão vazia razão do IBOPE...posto que há razões que a própria razão desconhece.

Deduzo, portanto, que alguns, embora poucos, também estejam preocupados com o teor nivelado "bem por baixo" do muito que atualmente discorre na nossa televisão e que tão inconsequentemente é borrifado aos ares das telinhas como estórias inofensivas.

Um círculo bem vicioso no qual a violenta realidade das ruas já se confunde com a moda da virtualidade das telas... e vice- versa.

Não sei se expressei meu sentimento de perplexidade, o de que às vezes tampamos os nossos amplos sóis com o cabresto das peneiras televisivas, hoje estreitas e furadas demais, ao darmos importâncias às pulgas mais remotas quando os leões nos espreitam logo ali, sem que tenhamos tempo de sobreviver aos novos tempos, tão invertidos naqueles valores sociais que nos fazem toda a diferença na construção da verdadeira paz social.

Um compromisso inadiável de todos nós, tanto dos que fazem como dos que recebem a arte em todas as suas mais legítimas formas de expressão.