SOB OS ANDRAJOS VIII - A VELHINHA PIMENTEL

Morava na Marambáia, um pequeno bairro da minha cidade, em uma casinha tosca construída de tijolos, que só tinha na frente uma porta e uma janela. A sala de entrada era o lugar onde passava a hora da sesta, descansando um pouco e onde dormia quando chegava a noite.

Pela idade bastante avançada, era necessário que recebesse algum auxílio dos poderes públicos, mas isso não acontecia. De vez em quando, em companhia de uma garotinha, percorria as ruas da cidade, para receber algumas moedas ou alimentos como ajuda na sobrevivência. Não todo dia, necessariamente, mas durante uns três dias na semana, estava lá, baixinha, morena, um tanto forte, com seu vestido rodado, mangas compridas, lenço na cabeça preso embaixo do queixo por um pequeno nó. Era conhecida e querida pelas pessoas que a ajudavam, sempre que solicitadas. Essa é uma das características de meus conterrâneos - solidariedade. Não querem saber se é pobre ou rico, conterrâneo ou não, estão sempre prontos para servir.

Quando estive no internato, colégio de freiras, fiz parte de duas associações filantrópicas: da JECF (Juventude Estudante Católica Feminina), e das "Luísas de Marillac".

JECF era uma ação católica estudantil, criada por nosso capelão Pe. Aureliano Diamantino Silveira, cujo objetivo era exercer uma espécie de apostolado entre os jovens, em prol de uma juventude cristã, portanto de um mundo melhor.

Ser "Luísa de Marillac" era exercer a caridade entre os pobres necessitados. Aos domingos, uma das Irmãs do Colégio levava esmolas em companhia de algumas Luísas (jovens), Luisettes, (crianças) e Anjos da Caridade (menores de 8 anos). Um trabalho agradável a Deus, aos pobres e a nós mesmas. Uma forma de satisfação pessoal que preenche o coração de felicidade. Chegadas as férias, íamos para casa e então, tínhamos que continuar o trabalho junto aos pobres em nossa cidade. Era uma das normas da associação.

Alguns anos antes, a velhinha chegara a minha casa, pedindo uma esmola e também para ir ao banheiro. Minha mãe chamou-me dizendo: “Leve a Dª. Pimentel até o banheiro." Mas era conhecida como "A Véia Pimentel". Era assim que a chamavam quando a ela se referiam. Minha mãe serviu-lhe café com bolachas que ela agradeceu, em seguida. Como sempre fui muito curiosa sobre como surgiram esses velhinhos da minha cidade, perguntei-lhe: - "Seu nome é só Pimentel?" Ela sorriu e respondeu: _ "Não, fia, Pimentel é sobrenome. Sou avó do Governador Pimentel. Já ouviu falar nele? Famia dos grande. Tudo político." Um tanto pasma, respondi: _ "Sim, senhora, mas está dizendo isso de verdade?" Ela tornou a sorrir e falou: " Cê tá certa, fia. Todo mundo se admira. Ele é rico, poderoso, não é pra ser neto de uma coitada como eu". Depois disso não falou mais nada. Também não lhe fiz mais nenhuma pergunta, ainda que a curiosidade a esse ponto já houvesse aumentado cem por cento.

E foi exatamente a ela que escolhi para continuar meu trabalho como "Luísa de Marillac". Seis anos após aquele diálogo, encontrei-a em sua casinha na rua da Marambáia, deitada em uma rede, passando a sesta. Estava mais velhinha, mas ainda lúcida. Identifiquei-me e falei do objetivo de minha visita. Pouco se lembrava de mim. Agradeceu os gêneros que lhe levei. Durante essas e outras férias, enquanto viveu, sempre fui visitá-la e, em cada visita, vi brotar daquele rosto marcado pelo tempo e pelo sofrimento, um sorriso doce e feliz.

Onde estiver, creio que está em paz. Em um lugar onde não há discriminação de classes, nem preconceito de cor, nem classificação por "Status", mas pelo bem que fez ao semelhante, pelo sorriso que semeia amor e perdão, pela simplicidade e pureza de coração. Porque Jesus falou no Sermão da Montanha, que "Só os puros e humildes de coração, verão a Deus."

***

Maria de Jesus. Fortaleza, 26/09/2012

Maria de Jesus
Enviado por Maria de Jesus em 26/09/2012
Código do texto: T3902672
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.