Crônica da Poesia
Ninguém lê poesia para estar a par dos últimos lançamentos da moda ou pelos métodos eficazes de emagrecimento que ela possua, caso contrário a fila de pretendentes às portas de um poeta seria maior que a fila do bolsa-família, os livros de poesia seriam constantemente esgotados e não ficaríamos surpresos se no verso das carteiras de cigarro nos deparássemos com a curiosa inscrição: “o ministério da saúde adverte: leia um poema.”
A poesia ocuparia então a principal manchete dos jornais e lê-la não seria considerado uma perda de tempo e o poeta não seria visto como uma figura esquisita a perambular na contramão de uma sociedade altamente sofisticada e tecnológica.
A poesia, no entanto, não obedece a padrões nem está alienada ao tempo. Ela teima e prefere andar com seus próprios pés, fundando e trilhando seus próprios caminhos, deixando suas pegadas levemente impressas no lastro da alma.
É evidente que a vida muda, a sociedade se transforma e que a crítica literária, que antes servia para colocar em evidência novos escritores e poetas, fora raras exceções, já não existe mais. Mas na medida em que a poesia tenha alguma coisa que se comunique com as pessoas, que lhes acrescente algo, ela vai sobreviver.
A poesia faz e acontece. A verdadeira poesia é que escreve os seus poetas e não o contrário. No poema o poeta não comunica palavras, notícias, comunica o próprio ser. A poesia não quer ser literatura, quer ser carne, quer sangrar conosco. O poeta, mais que autor, é personagem. É como disse Whitman: “Isto não é um livro, quem toca nele toca num homem.”
É claro que poesia não enfrenta fila de Banco, não cura dor de dente nem desintegra um átomo, mesmo porque a única função da poesia é comover as pessoas, ao desvelar o pulsar das coisas por trás do azinhavre que a rotina vai depositando, fazendo com que todas as coisas e seres percam sua vivacidade, seu latejo, enfim, seu impacto enquanto novidade. Ela lida com o lado cruento da vida, com o revés da fala, com o revés do ser, com o amor, com a morte, com a perda. E isso não há computador no mundo que resolva. A palavra do poeta possui o raro poder de reintegrar os destroços da existência e transformar em beleza até a dor mais profunda. Embora não se faça poesia para fugir da realidade, acabamos por aceitar seu abrigo, seu colo, seu beijo. Claro está que sob as hostilidades do cotidiano é possível criar obras, textos, mundos novos que passam a viver apesar de qualquer dificuldade.
Quanto mais consumista, quanto mais materialista e antipoética se torna a sociedade, mais necessária é a poesia. Talvez esse fato explique de certa forma o crescimento vertiginoso do número de poetas nos últimos anos. Os caras passam o tempo escrevendo dezenas de poemas que ninguém jamais irá ler e mesmo assim continuam. A poesia é, de fato, uma fatalidade do espírito humano.
Portanto, se me perguntarem qual seria o papel da poesia numa sociedade cada vez mais informatizada e globalizada, eu responderia, sem mais delongas, que não há papel que segure a poesia.