Vestido Preto

Como sempre e de costume embarcava na estação do metrô próximo a minha residência que também não ficava muito distante. Esse itinerário era feito por mim ao menos três vezes por semana. Na última semana e precisamente na segunda-feira passada estava sentado ao lado de um sujeito que exalava um cheiro desses de quem não toma banho há alguns dias. Era um individuo magro alto e de cabelo escorrido como se houvesse passado uma pasta que fazia aparentar mais o aspecto de sujeira. Como estava entretido com meu livro de crônicas tentei me desligar o mais possível esquecendo que estava sentado ali. Na minha viagem perdido entre uma palavra e outra sentença pude perceber que estava agora em pé na minha frente uma linda mulher de preto e com um vestido que lhe resaltava mais ainda a beleza. Senti que aquele cheiro desagradável do sujeito havia praticamente sumido até porque desprendia-se daquele anjo de candura um aroma de rosas ou colônia, talvez um cheiro de quem adora um bom banho. Nossa! Aquilo me encantou que não tive outra atitude a não ser convidá-la a sentar-se no meu lugar o que rapidamente o fez com gentileza e carinho e agradeceu de pronto. Sorrimos um para o outro sem desviarmos o olhar por alguns segundos.

Agora de pé pude observar mais atentamente seus cabelos cor de mel que caiam em madeixas sobre o colo que saltava do decote acentuado daquele vestido preto. Percebi que seus seios não eram grandes mas fartos, opulentos como tudo que atrai a imaginação masculina. Ela sentiu que olhava para seus seios e eu envergonhado mas com desejos fingia que estava preso aos meus parágrafos e assim entre um parágrafo e outro, uma olhadinha maliciosa.

O sujeito magro e fedorento levantou-se para saltar e quando me preparava para sentar-me ao seu lado já que ela recolheu-se ao canto, fui interrompido por uma senhora gorda que literalmente se jogara no lugar vazio. É impressionante, porque tive de me fazer de cavalheiro, afinal precisava dar boa impressão, mas a vontade que tive foi outra e prefiro não falar por questão de educação.

Duas estações mais à frente o vestido preto saltou, porque ela ficou impregnada na minha cabeça, no meu peito e na minha mão oferecida para que se pudesse erguer. A gorda também saltou junto, mas não pude oferecer-lhe a mão porque as tinha ocupada com o livro de crônicas.

Ao final da linha saltei e fui caminhando distraido para uma outra conexão. Afinal não conseguia mais me desconectar do vetido preto e de tudo que ele lembrava.

Dois dias depois já na quinta-feira novamente peguei o trem na primeira estação pensando sentado ceder novamente o lugar aquele vestido cheiroso, mas nada e até hoje continuo viajando com o magro e a gorda.