Crônica do óbvio
Seu Joaquim era esposo de Dona Maria. Dona Maria era esposa de Seu Joaquim. Isso era tão óbvio quanto o amor que sentiam um pelo outro.
Seu Joaquim, casado a mais de 50 anos com sua amada, alterou-se no dia em que soube de uma suposta traição de Maria.
Seu Joaquim sentiu uma dor no peito, óbvia da traição, ou talvez do infarto que viria, mas permaneceu calado quando sentou no sofá e esperou até a hora em que a Senhora chegasse. E chegou.
A discussão começou logo quando a esposa colocou as chaves num copo qualquer depois de trancar a única porta do apartamento. Seu Joaquim, sentado no sofá, pálido como quem segurava um infarto pra não morrer, logo se pôs a pedir satisfações. Obviamente brigaram, mas sem gritos, as gargantas já cansadas da vida, lá pelos seus 70 anos, tinham o timbre mais que baixo. Parecendo se irritar justamente por isso, Seu Joaquim se alterava mais e mais e mais e ma...
Até que começou a violência. O marido empurrava tanto o sofá quanto jogava qualquer outro objeto em direção a Maria, que se defendia com o abajour, inclusive se defendeu do lançamento do copo que tinha as chaves dentro que seu Joaquim lançou, e que caiu pela janela do sexto andar, no auge do seu descontrole.
Maria só foi lembrar que tinha posto as chaves no copo quando a discussão já tinha chegado ao fim, então contou ao marido. Os dois, sem terem como sair, já que era a única porta do apartamento e a única chave, correram ao telefone pra chamar quem os socorresse.
- Cadê o telefone? – Foi o que disse Seu Joaquim no mesmo instante em que lembrou que o jogara também pela janela há minutos antes.
Dois roucos. Quem os ouviria gritar?
Ficaram os dois, roucos e presos. Os dois, presos e juntos. Isso era tão óbvio quanto o amor que sentiam um pelo outro.