O Ipê Vermelho
Os caminhos que já tínhamos andado parecem ter marcado encontro na esquina do Ipê. Árvore singular. Talvez pedantemente singular, já que não se contenta com a beleza das flores roxas ou amarelas que suas outras irmãs ostentam e se cobre de um manto vermelho para se distinguir de todas.
Há cerca de vinte metros, ainda próxima de sua sombra, encontra-se a Escada Rolante que leva à Estação Subterrânea do Metrô Santa Cruz; e foi ali, hesitando em lançar-se rumo ao “abismo desconhecido”, que a vi pela primeira vez.
Contornando seu sorriso imenso, o rosto moreno afirmava toda a sua beleza latina amalgamada com a herança que alguém trouxe do Báltico para a pobre América e deixou no azul de seus olhos.
Eu sei que nós já nos tínhamos visto, mas não sei o porquê foi só naquela hora que o fascínio absoluto me atingiu. Só então, o impacto de M. me paralisou. E quebrou, num átimo, a segurança de quem se imaginava imune ao “Canto da Sereia”.
Balbuciei um cumprimento tímido, confuso e quase infantil. E bebi um largo sorriso como resposta. E se nada mais se disse, devo reconhecer, foi por conta de uma inexplicável timidez que me chega, bem sei, às vésperas de cada nova paixão.
Tentei me justificar com a chegada do Metrô, do barulho dos passageiros, dos engates, dos autofalantes etc. Mas é tolice. Nada mais se disse, agora sei, porque a partir daquele momento a minha vida já tinha outra direção.
Mas hoje não será assim. Mostrarei o quanto posso ser agradável, culto e interessante. Não, não será como foi. Nada será como antes. Eu voltarei a ser feliz.
O Ipê já perdeu suas flores rubras, mas os olhos azuis de M. não perderam sua luz. Ainda me perco em murmúrios insossos, mas sinto que as palavras chegam para me socorrer e só lamento que as minhas mandingas fossem insuficientes para descarrilar o trem que se aproxima. É pena que nosso segundo encontro termine tão breve, pois logo ela embarcará.
O calor que fez em pleno Inverno foi substituído por um frio impensável nesse inicio de Primavera. De longe posso ver que o sorriso de M. me aguarda para o terceiro encontro. Embarcamos juntos na Escada Rolante rumo ao abismo que já não nos parece desconhecido. Hoje, pouco importa o horário e o itinerário do trem, pois irei acompanhá-la. Dentro do vagão, sinto o calor do seu corpo apoiado no meu e sinto a suavidade de sua pele ao segurar seus dedos entre os meus.
Eu sei que já se passaram três estações além da que seria o seu destino original. Eu nada digo e nem a escuto dizer qualquer coisa. O calor que produzimos aumenta a intensidade com que nos roçamos e a paixão que o balanço do trem acirra, acomoda os nossos encaixes de tal modo que certamente todos nos veem como apenas um, embora poucos entendam o porquê de rirmos quando a voz anasalada do condutor informa que logo chegaremos ao Paraíso.
A folha em branco ficará em branco. Eu sei que nada conseguirei escrever enquanto o calor de M. habitar meu corpo. De soslaio eu percebo que as pessoas nas mesas ao lado me olham com curiosidade e é certo que se perguntam o que faz aquele homem com um buquê de flores inexistentes, na mão que não segura o copo.
Como lhes explicar que existem flores vermelhas de Ipê?