PRÁTICA PROSEXUAL
O Dr. Flaminio cursava o último ano na Faculdade de Direito. Na época a freqüência às aulas não era muito exigida, com raras exceções de alguns mestres mais conservadores. Mesmo porque as aulas eram exclusivamente noturnas e os futuros bacharéis trabalhavam o dia inteiro e, vias de regra, à noite estavam sempre muito cansados. Na verdade as aulas eram dadas, pra valer, nos finais de semana, sexta e sábado, porque grande parte dos alunos era de cidades vizinhas e só podiam mesmo vir nos finais de semana.
A maioria dos professores, também, pouco comparecia, uma vez que, excessivamente mal remunerados eram, quase sempre, advogados e magistrados que exerciam suas atividades durante todo o dia.
Entretanto, como em tudo, ali também existiam exceções. Havia um professor que exigia a presença dos alunos, em suas aulas, sob pena de reprovação no final do ano. Um outro que comparecia, toda noite, pra contar historias incríveis, mas sempre pessoais, nunca sobre Direito. E tinha o tio do Dr. Flaminio que, se não exigia a presença diária de todos em suas aulas, exigia, por outro lado, o aprendizado da Prática Processual Civil que ensinava com grande amor e, da mesma forma que ele se entregava ao ensino exigia a contraprestação, que era o conhecimento da matéria por parte dos alunos. Sua imagem, entre os futuros operadores do direito, era a de um professor rígido, exigente, sem consideração nenhuma com os alunos.
Nossa turma tinha um cara genial. Sabe, daqueles que existem em todos os segmentos da sociedade. Amigo de todo mundo, sempre pronto pra qualquer parada, sempre alegre, exímio contador de piadas, mas que, de direito mesmo, não entendia nada. Na verdade, nem ele mesmo sabia por que estava ali. E vinha toda sexta feira de uma cidade próxima, do norte do Estado do Rio de Janeiro, e, não raras vezes, perdia as primeiras aulas do sábado porque passara a noite na “gandaia”. Mas o humor era sempre o mesmo, e, por isto era tido como o mais engraçado da turma, o que lhe rendia sempre o nome incluído nos trabalhos de grupos. E assim foi ele tocando o curso até o fim... Aos trancos e barrancos, mas estava chegando.
No final do ano a notícia correu como um raio entre a turma. O nosso herói havia levado bomba em Processual Civil. Uma catástrofe, já que ele teria que repetir um ano aprendendo a matéria, e, pior, continuar viajando, toda semana, cerca de 350,00 km .
Foi ai que procuraram o Dr. Flaminio para que ele intercedesse junto ao professor que, como já se disse, era seu tio.
Evidente que ele não se furtaria à incumbência, mesmo porque fora criado junto do tio sabia de sua extrema bondade e condescendência nos limites do bom-senso e da justiça. Certamente ele encontraria algum ponto, alguma vírgula, qualquer comentário na prova escrita do colega que pudesse aumentar-lhe um pouco a nota e evitar, assim, que ele continuasse a se desgastar fazendo um curso que jamais aproveitaria na vida. Afinal ele sempre tinha o melhor conselho, a melhor saída, a melhor atitude. Seu caráter firme, sua retidão e sua fé raciocinada haveriam de deixar marcas indeléveis na alma de todos que tiveram o privilégio de conviver com ele. Era um homem bondoso e justo. Não seria difícil, pensou...
Pegou o tio numa linda manhã de domingo, em sua casa, mais precisamente em seu escritório, acobertado de livros maravilhosos que certamente até hoje são bem aproveitados. Contou-lhe o caso; o desespero em que se via nosso amigo e a preocupação, praticamente da turma inteira, que queria mais um advogado para engrossar a leva interminável de doutores que saem anualmente das faculdades...
O saudoso professor foi uma destas pessoas cujo conhecimento da vida transcendia às raias do imaginável. Era o protótipo do ser que deverá habitar a terra daqui há algumas centenas de anos. Exemplar chefe de família e Magistrado de tal competência que em toda a sua carreira teve apenas uma sentença reformada pelo Tribunal de Justiça e, mesmo assim, que me perdoe a Igreja, tão somente porque julgara contra ela uma questão na qual ela não tinha qualquer direito... Mas, tinha Poder...
-Quem é o aluno? Perguntou.
O Dr. Flaminio nomeou o nosso alegre companheiro da Faculdade. De imediato, talvez como que já estivesse, em sua aguçada sensibilidade espiritual, esperando por aquela visita e pelo pedido, ele abriu uma grande gaveta de sua escrivaninha , pegou um maço de provas e entregou a do nosso amigo.
- Que nota você daria, considerando os erros grifados em vermelho? – Perguntou, entre um sorriso de gozação e um olhar de tristeza por não poder atender um pedido do sobrinho.
O Dr. Flaminio pegou a prova e foi dando uma olhada nas respostas, algumas das mais estapafúrdias que se pode imaginar, até que deparou com um grifo em vermelho por baixo de uma frase escrita exatamente assim “ A relação sexual se completa quando as partes e o juiz se unem na audiência...”
Ficou estupefato, e antes que dissesse qualquer coisa ele emendou:
-Como passar um aluno que nem “ouvir” a cola, corretamente, consegue?
Mais tarde, a turma matou a charada.
O companheiro havia pegado cola de uma colega que lhe sussurrara: “a relação processual se completa com as partes e o juiz...” Mas, penso que se preocupou mais em olhar as pernas dela do que com o que ela dizia... Repetiu o ano, mas sem a presença da linda e sensual menina que, hoje, se não é menina é, sem dúvida, uma advogada bela, sem embargo de ser uma bela advogada...