<> UM PÉ DE ALPERCATA <>
Severino e virgulino eram dois nordestinos arretados.
Mas cansados da vida agreste, entre a seca e a miséria no sertão de Pernambuco, puseram em marcha o sonho do sul-maravilha, como já fizera o primo Edevaldo há 10 anos, indo para São Paulo. Tomaram coragem e escreveram ao primo. Resposta do Edevaldo: - primos, desaperrem e venham pra cá. Isso aí não é vida. Aqui tem emprego pra todo mundo e ninguém passa fome. Eu, por exemplo trabalho num prédio. Fico “sentandim o dinteiro". De terno e gravata. Tô com a mão lisinha de Dr.
A partir daí, a ideia virou fixação, e por fim contaminou toda a família. Venderam todos os seus trapos e partiram (toda a família) em busca do futuro. Só que, de onde moravam até Recife, tinham que enfrentar uma viagem de dois dias de "pau-de-arara" numa estrada de chão que era só poeira e buraco.
Um sacrifício terrível que tinha a encorajá-los, o fato de que foi este o mesmo percurso que fizera um "outro matuto", saindo de Garanhuns até chegar onde chegou.
Finalmente o grande dia. A família se “empoleirou” no caminhão completando a carga de retirantes.. Homens de cara curtida pelo sol , chapéu de couro e alpercatas. As mulheres com lenço na cabeça, saias compridas, "alpercatas" e um embornal de lado com “quitandas” para tapearem a fome durante a castigante viagem.
E lá ia o caminhão sacolejando estrada a fora.
Após um dia estafante cansaço chegou junto com uma noite.
Então o motorista parou e colocou uma lona sobre uma armação e a escuridão virou treva.
No breu da noite Severino sussurra pro primo:
-Virgulino, tem uma muié bolinando comigo.
-Pruveita, primo, manda brasa.
-Mas eu num sei quem é.
Virgulino tem uma ideia luminosa:essconde um pé da alpercata dela e a amanhã cê fica sabeno quem tá com um pé só.
Severino não pestanejou e mandou ver na assanhada.
De manhã, quando o motorista retirava a lona, Severino se fixa no pé das moças numa curiosidade malsã. De repente, num desespero medonho, se atraca ao Virgulino e confessa aos prantos:
- Primo... C O M I M A I N H A !!!
marciofelix-2014
texto escrito em 206
no Recanto das Letras.