A onça, o autismo e o pulo do gato

Contam a história que a onça perspicaz e afoita, sempre aquela que vencia todas as batalhas, pediu ao gato que lhe ensinasse todos os tipos de pulos. O gato muito sabido e chamusca respondeu com alegria que ensinaria à onça todos os pulos. E foi o que fez. Vizinhos da mesma floresta, do mesmo ambiente salutar, do mesmo espaço de divisão, tinha a vontade de dividir com todos quase todos os seus conhecimentos. Mas tinha uma coisa em mente: cada ser é um ser individual, uno, com um único espírito de aventura. Ninguém pode aprender tudo ao mesmo tempo. Mas unir forças é diferente. Ninguém pode saber tudo ao mesmo tempo e dizer que somente a sua opinião radical é válida. Radicalismo não cabe na floresta que tem seus segredos escondidos e auferidos.

Na verdade, a floresta era uma grande ilha, ou poderia ser um grande planalto. Dependeria do ponto vista. E cada um tem um tipo de pulo, maior ou menor, do lado ou de esgueira. Depende do ser. E ninguém pode impor ao outro o seu pensamento, a sua vontade. Na verdade, quando se fala em arbitragem temos cinco condições para que a negociação dê certo, quais sejam: comunicação, relacionamento, coletividade, ganhos mútuos e autoridade limitada. Essa é a principal na negociação, pois ninguém tem o direito de dar ordem e ofertar coercitivamente um pulo. Como um árbitro e professor, um mestre, por assim dizer, empreendeu para a onça os seus pulos. Mas eram pulos de gato e não de onça.

Mas com muita boa vontade, o curso se iniciou. Ensinou a onça a subir em árvores, a caçar animais silvestres com o seu pulo cabriola, ensinou a onça a andar nas florestas e matas e dar pulos sorrateiros. A onça por onde passasse aprendeu a pular silenciosamente e a não discutir com as suas presas. E somente dar pulos de onça para ganhar, movimentar e saborear a sua vividez. E, garbosa, a onça se pintava para terminar o curso e receber o diploma. O diploma “pulo da onça” era seu.

No dia do recebimento do diploma comentou com o gato: Você me ensinou tudo, não? Mereço o canudo, pois não? O gato sem pestanejar respondeu solícito: Claro, D. Onça, a senhora receberá o diploma do “Pulo da Onça.”

Antes de terminar a narrativa, vale a pena aqui, comentar sobre a educação e a inclusão. Direitos fundamentais, garantidores, constitucionalizados para todos aqueles que têm o Poder na Mão. Garantidos pela Constituição Federativa do Brasil, a Lei maior e a Carta Magna, consequentemente, o Estado de Direito. Abranger o Estado Democrático de Direito e compreender que pessoas autistas possam ter relações de inclusão na educação. E, portanto, todos os direitos subjetivos, tanto do lado ativo (poder de exigir o comportamento de outrem), como do lado passivo (obrigação ao referido comportamento nessa relação, como os dizeres do doutrinador Cretella Júnior (1997)

Assim, de acordo com os ditames de Carlos Augusto Alcântara Machado (2004, p. 28): “Ao afirmar a Constituição brasileira que é objetivo fundamental da República Federativa construir uma sociedade livre, justa e solidária, constata-se, cristalinamente, o reconhecimento de dimensões materializadas em três valores distintos, mas em simbiose perfeita: a) Uma dimensão política: construir uma sociedade livre; b) Uma dimensão social: construir uma sociedade justa; c) Uma dimensão fraternal: construir uma sociedade solidária. Cada uma das três dimensões, ao encerrar valores próprios, liberdade, igualdade e fraternidade, instituem categorias constitucionais. (...).Uma sociedade fraterna é uma sociedade sem preconceitos e pluralista. E esses valores estão presentes na Constituição de 1988”.

Todos princípios voltados aos Direitos Humanos e ao Estado democrático de Direito comanda a razão de um fim. Se se envolvem nos princípios fundamentais e em todos os valores deles sobrevindos. Há de se entender que o autismo, a inclusão e a educação se reputam no Estado Democrático, levando em conta que o autismo é algo que ainda está na floresta, nas matas do silêncio, dos pulos que todos pais dão por seus filhos para estar inseridos no verdadeiro Estado democrático de Direito. São listas, reuniões, redes sociais, discussões ferrenhas, ajudas mútuas e compreensões. É este o sentido da verdadeira inclusão. Um saber ilimitado que a cada instância merece um diploma do nível que se atingiu. E como saber qual a verdadeira inclusão a não ser com a união? Como aquele velho ditado: “a união faz a força”. A inclusão do autista está para ser descoberta, incluindo aqui o processo de desenvolvimento que um autista pode adquirir a cada dia, a cada momento, nos seus períodos de aprendizagem. Não é de uma só vez, que todos os merecedores dos direitos fundamentais podem aprender o pulo do gato. O processo das políticas vigentes aos conceitos de igualdade entre as sociedades livres são inseridos no processo. Insta obtemperar que é ainda muito difícil ter pleno estado democrático para responder com presteza a questão problema levantada nesta narrativa: o pulo do gato, a aprendizagem da onça e os interesses do autismo. O Estado de Direito para ainda está sendo construído para os autistas.

Não e não! A inclusão ainda virá mais elitizada, a cada estágio de discussão que possa beneficiar o autista e não ao orgulho ferido daquele que se sentiu contrariado com a falta da própria inclusão. É difícil entender isso, Por tudo isso e muito mais, o autismo é desprovido de preconceitos, pois o próprio autista o apresenta assim: inocente, puro, inconstante. O autista não sabe o que é dinheiro, dribla as emoções e necessita muito da educação especial, da real inserção do amor.

Nós, pais de autistas, temos que ter sempre uma carta de amor na mão. Um “vale de inclusão” para depois, para vencermos mais uma batalha. O Poder Público, o Estado em si, é como a Onça que quer o seu diploma, para depois dar por encerrado a Política Nacional de Atendimento ao Autista. E a Onça Estado dirá: já fiz a nossa parte e já temos nosso diploma legal de número 1.631, reafirmado em 2011, já se tornando lei.

Por falar em onça, a narrativa termina assim. A Onça perguntou para o gato. “Vou receber meu diploma?” O gato respondeu: “Pelo que você aprendeu, você merece”. Após receber o diploma a onça preparou-se para exercer o seu papel circunstancial de diplomada em “pulos”. “Chegou o momento de exercitar o meu pulo”, disse para o gato. Esse respondeu: “Tente”.

E, assim, a Onça tentou abocanhar o gato como puladora oficial e o gato deu um pulo para trás, deixando a Onça sem entender porque não aprendeu tudo. A onça retrucou: “este pulo o senhor não me ensinou? Por quê?”

“Precisa responder? A senhora tem maldade, é maior do que eu e precisaria da minha defesa. Meu passe tem sete vidas”.

Precisa comparar o pulo do gato, o pulo da onça e o autismo? Necessário acrescentar algo? Acho que não. Só lembrar aos leitores de que onças e gatos (metaforicamente escrevendo, é claro), sociedade civil, principalmente, o autista, devem ter o seu estado de defesa na inclusão do Poder Público e do Estado Democrático de Direito. O “o vale inclusão do autista” também tem sete vidas.